sexta-feira, 15 de setembro de 2023


15 DE SETEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

"Eu te amo" paterno

Meu pai faz isso. Seu pai deve fazer igual. É um código secreto, imperceptível. Todo pai avançado em idade se despede assim, após a visita do filho adulto. É a mesma saudação. É a mesma exclamação.

Talvez você não tenha reparado. Não é um cumprimento. Nunca será dito por educação, da boca para fora. Como ele já repetiu a cena durante tanto tempo, você não presta atenção, não dá o devido valor. Acha até que é um enfeite da linguagem, uma mania, um costume superficial.

Recapitule comigo. Há algo de profundo no gesto. Há um afeto incurável no timbre sério e aveludado. Há uma solenidade rompendo a banalidade. Porque ele nunca fala de qualquer jeito, apressado ou distraído, ocupado ou mexendo no celular. Ele para tudo, posta-se na sua frente, endireita as golas filiais e profere aquele comando olhando fundo nos seus olhos.

Pensando agora, em retrospectiva, é possível que você sinta um arrepio. É um pedido de caso pensado, lapidado, consciente, feito ao pé de porta. Não é um desinteressado "até logo" ou um ameno "tchau". Ele fala a mesmíssima coisa nos últimos abraços, nos desfechos das conversas, no fungar do cangote.

Não importa se os encontros são rápidos ou demorados. Acontece, vai acontecer, já aconteceu tantas vezes. Você ainda não percebeu o alcance metafísico daquela palavra, o que há de emoção por trás daquela pequenina palavra. 

O que o pai diz é: - Apareça!

Solicita o seu retorno. Quer que você dê notícias. Quer que você volte correndo ou caminhando, mas volte. Que não suma. Que não o apague da memória e da rotina. Que não adie a família. Que priorize os momentos imperfeitos. Que se faça presente ainda que esteja preocupado, indeciso, pela metade. Que venha acompanhado de amores ou amigos. Que não arrume explicações bonitas para a ausência. 

Que a saudade não se acumule a ponto de doer. Que o sucesso não o mantenha longe, que o fracasso não o impeça de comunicar seus problemas. Que não viva tudo o que é importante e decisivo sem partilhar as novidades. O que ele mais gosta de saber é que você não se esqueceu do endereço, do porto de seus sonhos, da sua origem, do seu ponto de partida para ser alguém na vida.

"Apareça!" é quando o pai abre a guarda, mostra a sua fragilidade, expõe o quanto sofre com a distância. É um botão caindo de sua armadura. É uma lágrima rolando de sua saliva. É o "eu te amo" masculino. É o "eu te amo" paterno.

Trate de aparecer sempre que puder. Antes que o seu pai desapareça para sempre, pelo irreversível da condição humana, na eternidade do silêncio, no definitivo adeus.

CARPINEJAR

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