A bofetada que vem do Guaíba
Em 26 anos vivendo na Capital, nunca tinha testemunhado a ira do "rio-lago" da forma como vi ontem, na Orla. O Guaíba virou um mar barrento e revolto, feito de ondas, correnteza e repuxo. Estive lá. Foi uma "bofetada" na cara.
A água parda que desabrigou famílias e provocou estragos também cobriu os brinquedos infantis, os bancos, as lixeiras e parte do passeio público em uma das mais populares áreas de lazer da cidade. Quando estive lá, o Guaíba já estava prestes a superar a cota de inundação no cais, o que se confirmaria pouco depois.
Havia entulhos por todos os lados, carregados pelo vento e a corrente. É nessas horas que o descarte irregular de resíduos fica ainda mais visível.
Pensei no drama das pessoas cujas casas foram atingidas, na sujeira, nos estragos que a enchente deixará e na nossa incapacidade crônica de perceber algo tão claro: o quanto nossas próprias ações têm contribuído, direta ou indiretamente, para esse estado de coisas.
Será que teremos o azar de reviver o que a geração de 1941 viveu, quando o centro de Porto Alegre ficou literalmente abaixo d?água? Não sei.
O que sei é que as inundações deste setembro de 2023, turbinadas pelo impiedoso El Niño, precisam nos levar a repensar algumas atitudes. Esta não é uma pauta de esquerda ou de direita. É, ou deveria ser, uma preocupação de todos nós. Falo de estilo de vida, do culto ao consumismo, do modelo de desenvolvimento que buscamos e do que de fato queremos para as nossas cidades. Mais concreto? Ou mais árvores e superfícies absorventes? Mais arranha-céus? Mais asfalto? Mais "progresso"? A que custo?
Meu desafio, como jornalista, é tentar traduzir a emergência climática para a linguagem das pessoas comuns, sem palavras difíceis, sem moralismo, sem preconceitos, para, de alguma forma, despertá-las para a consciência ambiental. Ainda não sei como fazer isso, mas acredito que mostrar o que está acontecendo no nosso quintal, talvez, seja o primeiro passo.
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