quinta-feira, 28 de setembro de 2023


27 DE SETEMBRO DE 2023
MÁRIO CORSO

Astros e genes

A astrologia liga o cosmos com a vida. Quando nascemos, o momento preciso do complexo relógio da posição dos astros cristalizaria, de alguma forma, algumas das nossas características. Portanto, sobredeterminados pelos astros, ela explica ao mesmo tempo quão singulares podemos ser, apesar de traços de personalidade que se repetem.

Os humanos são tão diversos como imprevisíveis. As associações que esta mitologia fornece nos dão uma sensação de domínio dentro do caos das nossas relações. Como diria Lévi-Strauss, qualquer sistema classificatório é melhor do que nenhum. Logo, a astrologia cumpre uma função de imaginar sentidos, dizer como somos, prever contingências, organizar e colorir o baralho da nossa vida.

Ninguém estranha quando a astrologia cola o nascimento a marcas perenes na nossa personalidade. Alguns acreditam, outros nem ligam. Mas se alguém falar que a herança genética nos deixa marcas perenes, a briga está feita.

O embate começa equivalendo a genética à eugenia. Acusação aparentemente justa. No passado, alguns políticos torceram a genética para justificar seus preconceitos e bestialidades. Porém, os discursos eram empulhação genética, e não a ciência mesmo.

Aliás, há certa contradição quanto à eugenia - a escolha dos melhores genes. Hoje, a maioria das pessoas que têm conhecimento e condição econômica faz exame genético do feto investigando síndromes e exame de imagem buscando más-formações. Não deixa de ser uma seleção genética.

Uma peculiaridade da genética é que basta mencioná-la, e o sujeito é visto como defensor dessa ciência. Não alguém que pensa seus efeitos, mas sim aquele que desejaria que a genética fosse a resposta final.

Algo que mostra ignorância no assunto, pois a genética fala de possibilidades, que podem ser ativadas ou não, dependendo do meio. Afinal, é sempre o meio, os genes são uma biblioteca de respostas ao meio no qual nossos antepassados viveram. Já a epigenética mostra a influência do passado recente.

Por que a sobredeterminação dos astros é digerida, enquanto uma teoria que resolveu enigmas e pensa as sobredeterminações herdadas é rejeitada a priori?

A genética é mais uma ferida narcísica. Resistimos a que exista uma loteria de genes - mais imaginária do que real - que nos define. Talvez a condescendência à astrologia seja a intuição desta sobredeterminação, mas é mais fácil pisar os astros distraídos.

MÁRIO CORSO

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