quinta-feira, 14 de setembro de 2023


Mundo paralelo

Onde foi parar todo mundo? Tenho me perguntado seguidamente onde estão as pessoas, que não participam mais de reuniões de amigos e conversas presenciais. Fui na semana passada ver a Barbie - no cinema de um grande shopping e num final de tarde de sábado. Achei que a sala estaria lotada. Havia, no máximo, uns 20 espectadores.

Tudo bem, já passou a onda rosa, pensei. Nossa época é tão vertiginosa que o minuto anterior já é passado remoto. Há poucos dias, a boneca mais que perfeita estava em toda parte. Agora, já ninguém mais fala nela. É provável até que estejam pensando em fazê-la voltar para sua caixa - como no filme.

Claro que as pessoas não desapareceram. O shopping, devo reconhecer, estava lotado. Centenas de indivíduos circulavam por lá. A maioria com a cabeça em outro mundo. A cabeça, os olhos e a atenção, principalmente essa última. O cinema, aliás, é o derradeiro reduto da atenção focada. Na base do constrangimento, é verdade: antes do apagar das luzes, avisos reiterados mandam desligar o celular. Assim mesmo tem gente que passa o tempo todo dando espiadinhas na telinha luminosa.

É ele, obviamente, o abdutor de atenções. O feitiço é coletivo: em casa, no escritório, na rua, na parada de ônibus, na direção do carro, da moto, na caminhada, no encontro com os (cada vez mais raros) amigos, homens e mulheres (adolescentes, crianças e até bebês) não tiram os olhos do celular. Outro dia, num restaurante onde costumo almoçar, observei uma jovem na fila do bufê: ela colocou prato, talheres e o celular na bandeja. Pegava uma colherada de alguma coisa e, com a outra mão, digitava mensagens no aparelho. Fez todo circuito assim. E manteve o ritmo, depois, enquanto comia. A urgência digital já supera a fome.

Pode parecer ranço analógico, mas considero um desperdício de humanidade que as pessoas deixem de conversar frente a frente, deixem de se olhar nos olhos, de trocar abraços e de rir aquele riso contagiante que só é possível com a proximidade física. Sinto falta de salas lotadas, de debates acalorados, de perguntas e respostas inteligentes e até mesmo das gafes que costumamos cometer quando estamos num grupo.

Como resgatar a atenção perdida? Creio que o cinema é uma boa metáfora. Se não podemos apagar todas as luzes do entorno para forçar a concentração, talvez possamos desligar por alguns momentos a tela luminosa que carregamos no bolso, na bolsa ou no painel do carro. Desconexão temporária deste mundo virtual e paralelo que isola, escraviza e provoca ansiedade.

NÍLSON SOUZA

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