Escrevo para me consolar dos traumas de infância e para transformar as dores de amor em royalties.
É uma aventura constante revelar para mim mesma o que permanece desconhecido em mim. Escrevo para uma única pessoa: você, que ao me ler estará sozinho também (mesmo cercado de gente) e em silêncio.
Escrevo para dar exclusividade à minha solidão. Para não parecer tão esquisita como pareceria se fosse uma solitária que não escreve. Escrevo para não desperdiçar a minha sinceridade. Sozinhos, somos mais sinceros do que quando socializamos.
Escrevo para ficar quieta por mais tempo. Para não falar sobre a vida dos outros — escrever sobre eles dá menos problema. Escrevo porque não sei tocar guitarra, porque não aprendi a esculpir em madeira, porque meus glúteos são muito largos para o balé. Escrevo porque teria dificuldade de decorar o texto para uma peça, porque só sei desenhar uma casinha — e mal.
Escrevo porque a literatura é uma arte discreta. Escrevo porque não existe horário para começar, nem terminar, nem dia útil, nem dia inútil, nem ônibus para pegar, nem parada para descer, nem apito de fábrica, nem gerente, nem chefe (nem carteira assinada também, é o ônus).
Escrevo porque gosto muito de ficar em casa. Nunca escrevo em quartos de hotéis, em trens, em espaços de coworking. Escrevo porque ninguém me acusa de estar me escondendo, mesmo que eu esteja.
Escrevo porque dizem que a maioria dos homens não suporta mulheres que escrevem. Abençoo esta triagem. Só os corajosos me atraem.
Escrevo para me relacionar melhor com a morte. A morte não traz benefícios para quem fabrica guarda-chuvas, atende em consultórios ou limpa vidraças. Mas ela costuma ser generosa com escritores: inspira e, se você for uma Clarice Lispector, eterniza.
Escrevo porque não é um trabalho de equipe. Escrevo para uma única pessoa: você, que ao me ler estará sozinho também (mesmo cercado de gente) e em silêncio. Prefiro relações a dois. Escrevo para dar voz às minhas feras, bruxas, demônios. Escrevo porque posso ser malvada, traidora, desaforada, matar e morrer — e acordar ilesa na segunda-feira.
Escrevo para me consolar dos traumas de infância e para transformar as dores de amor em royalties — é uma compensação justa. Escrevo porque escrever ativa a esperança. A esperança de ser lida, compreendida e amada. E a esperança de que meu texto sirva para fazer alguém se sentir menos estranho para si mesmo. Escrevo porque, se eu parecer louca, ninguém vai dar muita atenção. Periga até eu ganhar um prêmio.
Escrevo porque enquanto estou escrevendo, estou lembrando. Escrevo porque nunca sei sobre o que irei escrever. É uma aventura constante revelar para mim mesma o que permanece desconhecido em mim.
Em meu primeiro livro, ainda muito jovem, publiquei um verso que dizia: quanto mais escrava, mais escrevo. O tempo passou, me libertei de quase tudo o que me oprimia e devo isso a todos os livros que li, e aos meus. É por ela, a liberdade, que escrevo.
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