domingo, 17 de setembro de 2023

Musk e Tesla, duas genialidades

Um deu certo, o outro arruinou-se. Estão nas livrarias dois livros com as biografias de duas pessoas notáveis. Dois gênios, cada um ao seu tempo. Um é Elon Musk, contado por Walter Isaacson. O outro é Nikola Tesla, de Marko Perko e Stephen Stahl.

Musk viu seu primeiro computador em 1982, aos 11 anos, e é a pessoa mais rica do mundo, com uma fortuna avaliada em US$ 65 bilhões.

Em 2002, ele se meteu com a ideia de carros elétricos. A Tesla, empresa que os fabrica, já bateu a marca do milhão de carros vendidos. Quando decidiu dar esse nome ao carro, Musk sabia quem ele havia sido, mas até hoje há quem pense que Tesla, como Sony, é um nome de fantasia.

Isaacson conta a vida de um garoto criado na África do Sul. Com a cabeça no mundo da Lua, desde o dia em que conseguiu comprar, com seu dinheiro, um dos primeiros computadores pessoais, navegou neles. Fez seu primeiro videogame aos 13 anos.

Estudando economia e física nos Estados Unidos, em 2003, aos 22 anos escreveu um trabalho intitulado "A Importância de ser Solar". Logo depois, Musk caiu no Vale do Silício, na Califórnia, onde visionários tinham computadores e internet. Daí em diante, sua história de sucesso seria apenas mais uma.

Isaacson mostra um gênio empresarial, como já mostrou a genialidade artística de Leonardo da Vinci, a esperteza de Henry Kissinger e a criatividade obsessiva de Steve Jobs.

Sua primeira descoberta deu-se quando criou a empresa de software, o Zip2, ligando ofertas comerciais a mapas. "Eu aprendi que você não pode ser um bom diretor de tecnologia a menos que seja o diretor executivo." (Desde garoto ele queria mandar em tudo.) Em 1999, ele tinha US$ 5.000 na conta quando vendeu a Zip2 por US$ 20 milhões. Três anos depois, vendeu a segunda —a PayPal— por US$ 1,2 bilhão e recebeu US$ 250 milhões.

Com a cabeça na Lua e Marte, Musk criou a SpaceX para ir ao espaço. Com os pés no chão, foi atrás do carro elétrico. Muita gente estava atrás dessa ideia e, em 2008, ele seria a última pessoa a colocá-la de pé. O carro custaria mais de US$ 100 mil, Musk dispensou quatro CEOs da empresa, seu primeiro casamento atolou e três foguetes da SpaceX falharam nas tentativas de colocar satélites em órbita.

Isaacson mostrou a capacidade de Musk de dar a volta por cima, movido por um temperamento difícil e obsessivo, que faz dele um tipo inesquecível e intratável. Exemplo: em 2020, ele foi acusado de ter ajudado no golpe contra o presidente boliviano Evo Morales e respondeu: "Nós vamos dar golpe em quem quisermos. Lidem com isso." (A Bolívia tem minas de lítio, matéria-prima para as baterias de carros elétricos.) Infelizmente, Isaacson não trata desse episódio. Dois anos depois, Musk veio ao Brasil para um encontro com Jair Bolsonaro.

Musk saiu do inferno astral de 2008. O quarto foguete pôs um satélite em órbita e ele ganhou um contrato da Nasa. Conseguiu um reforço de caixa com o governo, um investimento da Daimler alemã e comprou uma fábrica da Toyota nos Estados Unidos a preço de banana. Em 2013, quando tinha um novo modelo nas ruas, a Tesla comprava 10% das baterias do mundo. Do jeito que iam as coisas, em poucos anos compraria 100%. Solução? Resolveu construir uma mega fábrica de baterias nos Estados Unidos, associando-se à Panasonic. Parecia ficção científica.

O garoto que se encantou com "Projeto Marte", a ficção científica de Wernher von Braun, o visionário que fez as bombas-foguete V-2 de Hitler, e 25 anos depois ajudou os Estados Unidos a descer na Lua, continua sonhando e ganhando dinheiro. Satélites, painéis solares, carros que não precisam de motorista, inteligência artificial e, quem sabe, um dia se chega a Marte.

TESLA, IDEIAS NA CABEÇA, NADA NA MÃO

Elon Musk não inventou nada, o sérvio Nikola Tesla inventou de tudo. Musk é a pessoa mais rica do mundo. Tesla foi despejado dos luxuosos Waldorf Astoria e do hotel Saint Regis por falta de pagamento e morreu num quarto do New Yorker em janeiro de 1943. Em setembro, a Corte Suprema dos Estados decidiu que ele (e não o italiano Guglielmo Marconi) era o inventor do rádio. Na biografia de Musk, Isaacson menciona-o apenas uma vez, de passagem.

Devem-se a Tesla não só o rádio, mas também a difusão da transmissão da eletricidade por meio da corrente alternada (essa que sai da tomada) e o motor elétrico. Ele concebeu os telefones portáteis, as lâmpadas fluorescentes, a ressonância magnética, o raio laser e o radar. Trabalhou, sem sucesso, na transmissão de energia elétrica sem fios por longas distâncias. Tinha a ideia de construir uma torre que irradiaria energia. Teve a ajuda do banqueiro J. P. Morgan, mas essa ele não conseguiu. (Jair Bolsonaro queria ir a uma empresa da Flórida que continua batalhando na ideia.)

Em 1881, o ano em teve seu primeiro colapso nervoso, Tesla estava andando em Budapeste quando concebeu um motor que giraria por impulsos magnéticos vindos de uma rede de eletricidade. (Leo Szilard concebeu a bomba atômica em 1923, numa esquina de Londres, esperando um sinal de trânsito.) Em 1883, Tesla foi trabalhar com Thomas Edison e tomou o primeiro de uma sucessão de calotes.

Se a biografia de Musk expõe as obsessões do bilionário, a de Tesla, com o subtítulo "A vida e a loucura do gênio que iluminou o mundo", mergulha na sua personalidade depressiva, maníaca. Tem até duas cronologias, uma de suas criações e outra de suas crises. Na vida de Nikola Tesla, quando uma coisa podia dar errado no mundo dos bens materiais, errado dava. Ele vendeu as patentes dos motores para a Westinghouse, ganhou dinheiro e perdeu-o. Montou um laboratório e ele pegou fogo.

O mundo do jovem Musk teve foguetes e computadores, o de Tesla teve a eletricidade. Thomas Edison acendeu sua primeira lâmpada em 1879, usando uma corrente contínua.

Ele era um craque na marquetagem. Em 1890 os dois travaram a "guerra das correntes". Edison, de um lado, com a corrente contínua (a das baterias, por exemplo), e Tesla com a corrente alternada. Ambas funcionam, mas a alternada podia ser transmitida por grandes distâncias. Os lobistas de Edison espalharam que ela eletrocutaria as pessoas. Com a ajuda da Westinghouse, Tesla prevaleceu. Em 1915, o New York Times propôs os dois para o prêmio Nobel de Física.

Com o tempo, as esquisitices de Tesla afogaram seu gênio. Afinal, ele dizia que ouvia outros mundos. Tudo bem, mas Marconi também os ouvia e Edison anunciou um telefone que falaria com espíritos.

Em 1934, aos 78 anos, Tesla estava quebrado e a Westinghouse passou a pagar seu quarto de hotel. Um ano depois, ele concebeu a Super Arma, uma espécie de Raio da Morte.

Quando Elon Musk deu o nome de Tesla ao seu carro elétrico, havia no gesto algo mais que uma homenagem, sabe-se lá o quê.

Elio Gaspari - Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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