30 DE SETEMBRO DE 2023
LEANDRO KARNAL
Já viajei bastante e já vivi muitas experiências. Porém, há muitas coisas que eu gostaria de ver neste terço final da existência. Tornou-se uma mania em livros identificar coisas ou lugares obrigatórios. Já encontrei Cem Filmes para Ver Antes de Morrer ou Cem Livros Indispensáveis para sua jornada neste planeta. A crônica é mais curta: tratarei sobre 10 tópicos. Serão fatos/tendências, imagens que me alegrariam muito antes do fim inexorável. Veja se algum desejo combina com o seu, iluminada leitora e esclarecido leitor. Complete ou substitua a lista.
1. Adoraria ver a aurora boreal. Fracassei nas tentativas anteriores. Um céu com cores variadas em raios de tom de opala. Deve ser algo incrível. Provavelmente eu, homem de poucas lágrimas, choraria em abundância diante do fenômeno.
2. Sonho com a ideia de estar em um barco ou na ponta de uma península, para ver baleias saltando no mar e caindo com estardalhaço. Uma azul, uma jubarte, uma orca; um baleal: deve ser muito emocionante! Já vi golfinhos, tubarões, arraias... Até o Nemo em corais. Nunca vi baleias livres e felizes no mar.
3. Tenho um delírio que é abrir o jornal e ver esta notícia: segunda, às 8h da manhã, as duas casas do Congresso estavam trabalhando arduamente, no plenário, por leis sobre saneamento básico, educação, investimentos estruturais e outras questões. Depois, no entardecer de sexta, exaustos, os nobres legisladores encerrariam o expediente. Sim, um deputado e um senador fazem muito trabalho em comissões e visitas in loco, eu sei. Porém, num dia, verei o Congresso fazendo o que todo trabalhador brasileiro faz. Num dia...
4. Sonho em entrar no aeroporto/rodoviária/estação de trem/ônibus e todas as pessoas estarem lendo. Sim, podem estar diante do celular, mas nada de vídeos com dancinhas: todo mundo lendo em papel ou nas telas, sorrindo, chorando ou franzindo o cenho diante de uma cena forte. Silêncio profundo e olhos concentrados. Um sonho...
5. Um delírio antigo! A aula deveria terminar ao meio-dia. O professor, cansado, tenta encerrá-la às 11h50min. Os alunos protestam e afirmam que ainda possuem 10 minutos de chances de descobertas, de aprofundamento, de novos insights. O mestre concorda, fala ainda mais e indica novos livros. Esse professor manda ler um conto, e os discípulos afirmam: "Só um? Não seria melhor ler uns quatro, ao menos, para perceber o estilo do autor?". Alunos conscientes dos seus protagonismos e cheios de interesse. Discípulos que superam os limites do tutor. Gente empolgada com sua própria formação... Quem sabe?
6. A reforma da sua casa foi prevista para dois meses. Deveria terminar dia 30 de novembro. Faltando 72 horas, o empreiteiro anuncia que a obra já está finalizada. O material comprado foi suficiente. O orçamento não necessitou de verba complementar. Tudo tem um acabamento perfeito. Você se despede do contratado com um aperto de mãos, feliz. Um sonho. Um delírio, talvez...
7. Encontro uma pessoa que gosta do meu trabalho. Ela se apresenta entre sorrisos. Faz umas perguntas curiosas e mostra que, de fato, lê e está informada do que eu penso e faço. Por fim, a fã se despede com alegria. Não são feitas as fotos. Nada é postado. Foi uma experiência pessoal sem ###. Fato único. Evento humano. Seres encontrando-se, apenas. O real basta e transborda. A vida flui, olho no olho, sem celular.
8. Uma pessoa adota um cachorrinho. Outra prefere comprar em um canil. Alguém adere ao mundo vegetariano. Outra come carne. Um é ateu e, ao seu lado, está um evangélico. Todos são felizes com suas escolhas. Ninguém "torra" ninguém. Desaparece o projeto missionário de converter o outro aos seus valores. Ninguém mais assume o papel de zelador da vida alheia. Um sonho antes da minha partida.
9. Antes de dar meu último suspiro, deliro com a ideia de acompanhar o desaparecimento da tecnologia de áudio em celulares. Ninguém mais envia mensagens sonoras. O mundo redescobre a escrita surgida na Mesopotâmia há quase 5 mil anos.
10. Por fim: deixemos de importar da Europa o péssimo hábito de considerar crianças um incômodo. Terminem os restaurantes e hotéis que não admitem crianças. Que o choro de uma criança em um avião seja encarado como sinal de vida e reação natural ao estresse da viagem. Todos entendam que o barulho infantil é muito mais saudável do que o silêncio amargurado de alguns adultos.
Os pais devem fazer esforço pela boa educação dos seus rebentos, porém uma criança inteiramente adestrada é prenúncio de uma pessoa infeliz no futuro. Que as crianças corram, que riam, que chorem, que eructem. Que os pais estimulem a percepção do ambiente e, com palavras doces, indiquem que ali não é lugar de gritar. E que elas, rebeldes, façam da vida um valor maior do que a norma. Parece que estamos ficando intolerantes à vida. Sem os pequenos, não pode existir esperança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário