quinta-feira, 28 de setembro de 2023


27 DE SETEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

Nunca choveu tanto

Meus avós paternos viveram a enchente de 1941 em Porto Alegre, após 22 dias de chuva. Eles contavam que metade do Mercado Público foi coberto pelo Guaíba, quase atingindo o seu segundo andar. A Rua da Praia acabou sendo varrida pelas águas e os funcionários andavam de botes para recolher os destroços dos escritórios. Podia-se apenas enxergar os jacarandás desfolhados na Praça da Alfândega. A região industrial, então constituída pelos bairros Floresta, Navegantes e São João, formava uma única mancha marrom. A correnteza avançou pela Cidade Baixa, pelo Menino Deus e pelo Cristal.

Eu não acreditava quando escutava seus relatos antes de dormir, durante as visitas ao casal de avós na casa amarela de esquina na Corte Real. Nem os contos de terror sobre vampiros e múmias provocariam mais calafrios. Aquele 8 de maio passou a ser conhecido como "quinta cinzenta".

Na época, cerca de 70 mil pessoas ficaram desabrigadas e os prejuízos foram calculados em US$ 50 milhões. 9% do território gaúcho estava submerso. Jamais pensei que seria possível sentir o mesmo pânico de alagamento na Capital. A enchente era tão improvável quanto a neve.

Só que o prefeito Sebastião Melo já determinou o fechamento das comportas entre as avenidas Mauá e Castello Branco. Os riscos são reais. Estamos com um volume do Guaíba de 2m77cm, quase três vezes a média normal. Na enchente histórica, a marca atingiu 4m76cm.

O acumulado de chuvas deste mês encontra-se em 413,8 milímetros, o maior volume desde 1916. Setembro de 2023 é recordista de todos os índices anteriores: abril de 1941 (386,6mm), junho de 1944 (403,6mm) e maio de 1941 (405,5mm). Ou seja, está chovendo mais do que em 1941. E mais do que choveu em todo o século.

Somando-se à constância das tempestades, a passagem do ciclone extratropical é capaz de arrastar o que tem pela rua com seus ventos de até 100 km/h.

Para agravar nossa fragilidade, o superpovoamento, o desmatamento e a poluição mineral recrudesceram nossas resistências de áreas verdes. Antes, as matas que cercavam Porto Alegre absorviam o excedente e escoavam a água parceladamente para outro ponto, alguns quilômetros adiante, a partir dos lençóis freáticos, como nos ensinava o saudoso professor e ambientalista José Lutzenberger.

Não tem como não experimentar sensações apocalípticas, de Juízo Final. Não tem como não acordar no meio da noite, com a bateção das janelas. Não tem como não telefonar à esposa que está no trabalho ou aos filhos na escola para perguntar se está tudo bem. Não tem como não rezar por uma trégua de sol.

Meus avós nem mais estão vivos para me ensinar a ter tranquilidade.

CARPINEJAR

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