terça-feira, 19 de setembro de 2023

19 DE SETEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

Outra nefasta revolução

Você deve se lembrar dos livros de história.

Na primeira revolução industrial, entre os séculos 18 e 19, a jornada diária de trabalho costumava ser de até 16 horas, com apenas 30 minutos de pausa para o almoço. Quem não aguentava era demitido e substituído por um outro operário. O artesanato foi substituído pela produção em larga escala das fábricas. As primeiras máquinas a vapor tinham como principal característica o aumento da produção de mercadorias sem precedentes.

Tanto que o clássico filme Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin, ilustra o quanto o homem havia sido subjugado pelo ritmo da máquina, não podendo se distrair nem por um minuto sob o risco de um acidente fatal.

Você pode até sentir pena da exploração dessa época, da precariedade fabril, das condições insalubres e insuportáveis de emprego, que desencadeavam humilhações e moléstias.

Mas agora pense se não estamos reproduzindo os primórdios da revolução industrial na internet, com a diferença de que o estresse é mental, de que as doenças são silenciosas na forma da ansiedade e do pânico, de que a estafa tem uma natureza psicológica que suga as suas energias com a exposição exagerada à tela luminosa.

Quantas horas você dedica gratuitamente para o algoritmo? Não serão as mesmas 16 horas por dia? Mal tem tempo para almoçar, mal tem tempo para conversar com os amigos, mal tem tempo para o lazer.

Além do seu emprego, costuma direcionar sua rotina inteira para abastecer suas contas no Instagram, no Facebook, no YouTube, no TikTok, no Twitter. Não vive sem postar, sem dizer o que está fazendo ou onde está. Privilegia as fotografias de suas experiências em vez de viver tranquilamente cada uma delas.

Sofre controlando o número de seguidores, de likes, de comentários. Prefere se ausentar da realidade de seus afetos para interagir com a virtualidade de seus contatos. Jamais trabalharia de graça para uma empresa, nunca admitiria tamanho descalabro e injustiça, mas não percebe que trabalha de graça criando conteúdo para os proprietários dos aplicativos e oligopólios de tecnologia.

O documentarista norte-americano Douglas Rushkoff, conferencista recente do Fronteiras do Pensamento, considerado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) um dos 10 intelectuais mais influentes do mundo, adverte que estamos perdendo a nossa humanidade, moldados e influenciados a corresponder aos anseios de uma inteligência artificial em lugar de desfrutar de fenômenos corriqueiros da presença.

Não nos damos conta de que atendemos às expectativas do algoritmo, jamais ficando satisfeitos, recebendo cada vez mais doses de dopamina para nunca nos desgrudar do fluxo de informações e stories. É como se fosse uma casa de apostas em que você oferece cada vez mais da sua atenção para manter os seus índices de frequência. Você tem alegrias efêmeras de reciprocidade digital e se endivida progressivamente com o entorno familiar.

Assim como a revolução industrial ocasionou a criação de sindicatos, que promoveram a redução das jornadas de trabalho, talvez seja necessário pensar na regulamentação das plataformas na web. O ócio fundamental da convivência está morrendo. Somos mais avatares do que pele.

CARPINEJAR

Nenhum comentário: