quinta-feira, 21 de setembro de 2023


21 DE SETEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

Messianismo romântico

Você já transformou o amor em propaganda pessoal? 

Espalhou para o seu círculo de amigos que o seu par:

- Aprendeu a se vestir com você?

- Ou aprendeu a se comportar com você?

- Ou aprendeu a dançar com você?

- Ou aprendeu a economizar com você?

- Ou aprendeu a comer saudavelmente com você?

- Ou aprendeu a se cuidar com você?

Sem se dar conta, de modo indireto, você está dizendo que ele se vestia mal, ou que não tinha elegância, ou que era um antissocial, ou um poste na pista de dança, ou que se mostrava perdulário, ou desleixado, ou inconsequente antes de você.

Não foi um casamento, mas uma conversão. Retirou um miserável da sarjeta. Mais se assemelha à caridade de educar, oferecer comida, teto e etiqueta. Em módicas sentenças, talvez não tenha percebido que destruiu o passado de alguém para se atribuir a sua redenção. Parece que ele renasceu ao seu lado e nunca prestou no período anterior ao relacionamento.

Você não está elogiando o outro (como ele se encontra melhor), mas a si mesmo (como ele melhorou comigo). Surge como a figura indispensável para perdurar o bem-estar. Longe de você, ele não seria ninguém. Chama para si a autoridade de um destino.

Envaidece-se como o ponto de virada e de mutação de uma existência, desmerecendo o sacrifício, o esforço e a dedicação eminentemente particulares. Temos que parar de roubar os méritos das evoluções de nosso par com o messianismo romântico. É um vício assumir a autoria das transformações positivas do outro ao longo da convivência.

A apropriação das virtudes e conquistas da companhia tem como propósito zombar das versões anteriores de uma personalidade, até estranhando como ela sobreviveu pregressamente, sem estar junto de você.

Pelo medo de um dia ser dispensado, valoriza-se a influência excessivamente. O gesto de aparente proteção flerta com a dominação. Há uma ameaça implícita, uma convocação para simbiose, um convite para a adoecida dependência:

- Você não consegue viver sem mim. Comete-se o pecado de assinar a tela de um autorretrato alheio, adonando-se do aperfeiçoamento de um terceiro. Como se a pessoa fosse de argila, modelável. Como se a pessoa não tivesse condições de se defender e de decidir sozinha. Como se a pessoa fosse incapaz.

Você sempre pode fazer o mal querendo fazer o bem. Na ânsia de defender o presente da relação, ocorre um contundente desprezo aos antecedentes individuais. Você acaba confundindo o cônjuge com um filho. Amor não é creche. Qualquer aprimoramento é responsabilidade de cada um. Não pegue carona para se promover.

CARPINEJAR

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