terça-feira, 12 de setembro de 2023


12 DE SETEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

O glorioso chá da tarde

O sonho de Dona Flávia é estender o almoço com os seis filhos para o chá da tarde. Só assim ela sente que aproveitou a presença de todos.

Quando dura pouco, ela teme não distribuir o olhar democraticamente, deixar alguém de lado, não dar a devida atenção, passar a impressão de que priorizou um em detrimento dos outros. No calor da conversa, pode se distrair e se esquecer de oferecer um colo, um cafuné, uma mão dada, um doce.

Zé já identificou o jogo de cera, mas não diz nada. Aceita a alegre prorrogação. Quando se encontra com a mãe, não marca nenhum compromisso em seguida, para não gerar frustrações. Ele finge que vai sair mais cedo, apenas para ouvir "ainda é cedo" e obter um aliviado sorriso da parte dela.

Como jogadora que finge contusão para ganhar tempo, Dona Flávia não aceita a despedida logo depois da refeição. Vai enrolando o máximo possível, pedindo favores, solicitando apoio num aplicativo de seu celular, retardando a sobremesa e o cafezinho, rendendo polêmicas doidamente sobre as últimas notícias (menos de política, que pode causar ânimos acirrados e súbitos aborrecimentos ideológicos).

Sua tática é não abandonar o seu lugar. Os filhos podem se sentar no sofá, mas ela não larga a sua cadeira de simpática matriarca na cabeceira da mesa. Assim dá a entender que nada acabou. Assim prolonga a convivência.

De acordo com a sua mentalidade, ela deve ficar longe da porta. Para impedir a evasão. Cria uma trincheira, uma fortaleza do afeto, marcando território, não apressando possíveis desenlaces, não precipitando ensaios de "até logo". Tampouco cala a boca. Não permite ao silêncio crescer em preguiça. Usa de toda a sua criatividade diplomática para combater o tédio.

O engraçado é que ela espera chegar às 16h em ponto para perguntar despretensiosamente: "que tal um chá?". Como se fosse uma ideia do momento, uma casualidade feliz. Como se os bolinhos de chuva já não estivessem preparados. Como se o bolo de fubá não estivesse esperando, coberto com o pano de prato na redoma. Como se os sachês não estivessem já mergulhados na infusão.

O que uma mãe mais deseja é que a visita dos filhos adultos rememore a época da família unida, morando sob o mesmo teto. É um faz de conta que permite enganar a finitude da memória e renovar o vencimento da saudade.

Ela não tem nem a ambição de mantê-los até o jantar. Entende que é uma quimera inatingível diante da pressa das suas carreiras e ocupações. O sonho de Dona Flávia é tão somente o entardecer na companhia dos filhos.

CARPINEJAR

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