sábado, 16 de setembro de 2023


16 DE SETEMBRO DE 2023
MARCELO RECH

Boa viagem, Lula

Muita gente torce o nariz, mas a melhor coisa do terceiro mandato de Lula é sua sucessão frenética de viagens ao Exterior. É sério. Uma vez lá fora, Lula cumpre duas funções essenciais: vende no tom adequado as virtudes do Brasil e, ao mesmo tempo, se atravessa menos com quem de fato toca a gestão do dia a dia por aqui.

Em ambos os casos, Lula reproduz com vantagens fórmulas que deram certo no primeiro mandato. A imagem externa do Brasil foi tão devastada nos últimos anos que bastava alguém falar em respeito ao meio ambiente e harmonia com os vizinhos que já passaria de ano com louvor. Um dos líderes mundiais com mais tarimba em encontros multilaterais, Lula sabe como ir além. No Exterior, Brasil é sinônimo de Amazônia e alimentos. Até agora, na melhor tradição do Itamaraty, o governo leva com jeito os dois temas, como na posição de não se dobrar a novas exigências despropositadas da União Europeia para fechar um acordo com o Mercosul.

É fato que Lula derrapa na curva e detona os esforços da diplomacia sempre que se mete a falar de Venezuela, Nicarágua, Ucrânia e até do Tribunal de Haia, mas o mundo está tão polarizado entre EUA e China e tão ansioso por alimentos e pelo combate ao aquecimento global que ao Brasil quase tudo é perdoado ou ignorado. Se o governo não fizer muita bobagem, o país tem uma avenida de prosperidade internacional pela frente. Índia, Indonésia, Turquia, México e África do Sul, todos se equilibrando entre EUA e China, também estão no caminho de tirar proveito da disputa entre as duas superpotências. Mas só o Brasil pode ostentar a imagem de novo celeiro do mundo.

No front interno da economia, a área das quais todas as demais dependem, as ausências de Lula e suas atenções ao Exterior são um bálsamo para a estabilidade. No primeiro mandato, Lula tinha Antônio Palocci na Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central para tocar a economia. No segundo, Dilma Rousseff virou a gerente durona do governo enquanto Lula fazia política (e se embaralhava com os escândalos de corrupção). Agora, Geraldo Alckmin como vice, Fernando Haddad na Fazenda, Simone Tebet no Planejamento e Roberto Campos Neto no Banco Central (este sobretudo por não se dobrar a pressões de Lula) injetam a tranquilidade necessária para não produzir solavancos adicionais a um país traumatizado pela radicalização e por devaneios populistas.

O vice é um caso à parte. Quando Lula o escolheu, à boa parte da esquerda pareceu um gesto de demência, mas o então candidato estava certo. Não só o ex-governador de São Paulo abriu um leque de moderação à chapa como tem se mostrado um assessor leal e tão discreto quanto Marco Maciel o foi com Fernando Henrique Cardoso. FH viajava tranquilo. Lula pode ir também. Então, boa viagem, presidente. O Brasil só tem a ganhar.

MARCELO RECH

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