sexta-feira, 29 de setembro de 2023


29/09/2023 - 16h00min
Fabrício Carpinejar

Sina do sofá

Toda mulher tem a mania de transformar a cama de casal em sofá. Você que está casado, e jura que um lado da cama é seu, vem mergulhando numa doce ilusão: seu lado da cama pertence às almofadas.      Toda mulher tem a mania de transformar a cama de casal em sofá.

Começa de uma maneira discreta com forro nos travesseiros, depois a mensagem é reforçada com a chegada de uma manta. Quando ela não abre mão de uma cabeceira, o destino da ninhada é irreversível.

A partir desse momento, sua alma será recheada de paina, algodão, crina, penas, esponja de borracha e espuma de plástico. Não sei o que tem de errado numa cama, mas ela nunca pode ser apenas isso para o universo feminino. A mulher acha pouco, considera o móvel básico demais e decide enfeitá-lo com almofadas.

Elas superam a utilidade de dar mero apoio às costas. É o exército do sexo oposto para tirar o seu lugar gradualmente, avançar sobre as linhas inimigas. Se na sala já tem sete almofadas, e você vive pedindo licença para elas na hora de se sentar para assistir à televisão, no quarto serão muito mais, para combinar com os quadros, com o edredom, com a cor das paredes.

Trata-se de uma coleção interminável. Até pensa que ela é vendida nas sinaleiras, porque a esposa sempre volta do trabalho milagrosamente com mais uma integrante, jamais confessando que passou em alguma loja. Durante o dia, o dormitório fica com aparência de sala, impedindo a sesta ou a tentação da preguiça.

No instante derradeiro de dormir de verdade, com o pijama e dentes escovados, com o cansaço formigando os pés, enfrenta um desconforto para se ajeitar e entrar debaixo das cobertas. As almofadas mordem e lambem o seu corpo estirado.

Tenta conviver por alguns minutos, redobrar a sua tolerância, assim como já o fez ao seu cachorrinho. Porém, almofada é diferente de um ser vivo com mobilidade.  Arranha, machuca, atrapalha o seu campo de visão. Não sei o que tem de errado numa cama, mas ela nunca pode ser apenas isso para o universo feminino.

Você se vê obrigado a se livrar da avalanche. É um desmoronamento sem precedentes na sua cara. Dois braços nunca serão suficientes. Mais fácil seria retirá-las com uma pá ou uma retroescavadeira. Terá o trabalho de faxina, o equivalente a carregar baldes de um aposento a outro, desovando duas de cada vez.

A questão é metafísica: onde colocá-las com a devida autorização da parceira, para reencontrar a tranquilidade de seu espaço? Não tem uma cadeira ali disponível ou poltrona vaga para receber o excedente. Lamenta que os armários estão ocupados. E não pode jogar nenhuma no chão, ao rés do tapete, senão a esposa xingará dizendo que é um grosso, um estúpido, que não tem modos.

Cogita a hipótese de transportá-las para junto das coleguinhas da sala e reuni-las num único lugar. Só que há as almofadas da sala e há as almofadas do quarto, não deve misturá-las. São categorias domésticas completamente diferentes para a sua mulher, apesar das semelhanças físicas.

Existe o sofá-cama e, agora, a cama-sofá. Ou seja, não importa o que você faça na relação. Em tempos de briga ou de paz, sempre estará dormindo no sofá.

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