01 DE AGOSTO DE 2017
DAVID COIMBRA
A grande final II
Meu adversário na grande final do campeonato de botão era o Diana. Esse ?Diana?, óbvio, é apelido ? é que a cachorrinha dele se chamava Diana. Foi o Roys quem botou. O Roys era exímio inventor de apelidos. É do Roys a autoria do ?Barnabé?, do Jorge Barnabé ? por causa de um detetive de seriado, o Barnaby Jones, com quem o Jorge era parecido e, pensando bem, é ainda.
Foi o Roys, também, quem deu o apelido ao Zoreia, e não porque ele tivesse orelhas grandes. É que o Zoreia vivia usando uma camisa com o desenho do ratinho Topo Gigio, e o Topo Gigio, sim, tinha orelhas enormes.
Curioso: o Roys, o Zoreia e o Diana pegavam no gol, todos eles ágeis, elétricos e meio alucinados, goleiro tem de ser alucinado.
Naquele tempo, jogávamos futebol de salão, jogo para homem, não esse futsal com bola de praia que eles jogam agora. No futebol de salão, a bola era pesada e não se podia fazer gol de dentro da área. Marcava mais gol quem tivesse a pancada mais forte.
O Jairo tinha uma espingarda Winchester na canhota e, uma vez, na cancha da Amovi, ele mandou uma bola rasteira que saiu queimando o piso de cimento e areia, veio que veio levantando faísca. O Roys caiu para defender e caiu sentado, com as pernas abertas. A bola bateu-lhe em cheio no entrepernas, mais especificamente em seu pequeno e frágil saquinho escrotal. O Roys emitiu um urro primevo de dor que ecoou pelos prédios amarelos do IAPI, estremecendo até a Plínio Brasil Milano:
GNNNNNNNUUUULLLL!
E, de imediato, aconteceu algo horrendo: o saco do Roys começou a inchar e inchou e inchou tanto, que saiu para fora das aberturas do calção, ameaçador como a Bolha Assassina do filme aquele.
Foi uma visão medonha.
O Roys acabou se recuperando, claro, e ficou bom. Ele era forte, apesar de ser tão magrinho. Aliás, sua magreza rendeu também a ele um apelido: Languiça. Quem colocou foi o Edu Brittes, que hoje é advogado. O Roys, tão criativo nos apelidos, odiava aquele apelido que ganhou. Se a gente o chamasse de Languiça, ele pedia briga.
Mas o que eu dizia mesmo? Ah, sim, que foi o Roys quem primeiro chamou o Diana de Diana, meu adversário na espetacular final do campeonato de botão, aquela que valia taça, uma tacinha do tamanho de uma cuia de chimarrão, mas importantíssima para mim, que nunca havia ganho uma taça.
O Diana hoje é um respeitável professor e pai de família, mora em Santa Catarina e é muito benquisto pela comunidade. Como ele não gostava do apelido, não vou lhe citar o nome, só digo que era bom amigo e ainda é. Volta e meia nos comunicamos pelas redes.
Quem conhecesse o Diana na época não diria que ele se tornaria um homem tão reto. Como todo bom goleiro, ele tinha algo de folclórico. Foi o Diana quem fez aquela famosa aposta com o Carlos de que comeria grama o torcedor do time derrotado no Gauchão. O Diana, gremista devotado; o Carlos, colorado. Estávamos na primeira metade dos anos 1970, época do Inter de Valdomiro e Falcão. Lembro até hoje do Diana de quatro, pastando a grama alta e de aparência apetitosa que crescia na ponta-esquerda do Alim Pedro.
Num jogo entre Grêmio e Fluminense, no Olímpico, o Diana levou uma caixa de fósforos. Durante toda a partida, ele riscava um fósforo e o atirava, aceso, na orelha de um gordo sentado três degraus abaixo. O gordo se estapeava todo, gritava, levantava, olhava para trás, e o Diana nem se mexia, mantinha o olhar fixo no campo, não era com ele. Todo mundo em volta ria-se da cena. Assim foi até quase o final. Faltando uns 10 minutos para acabar o jogo, o Diana riscou o fósforo e o gordo se virou bem na hora. Flagrou-o com o palito na mão e gritou:
? Arrá! Vou te matar, desgranido!
E saiu correndo atrás do Diana, que zuniu no meio da multidão. Não o vi mais naquele dia.
Era esse, pois, o meu adversário na grande final. Da qual conto amanhã.
DAVID COIMBRA
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