sexta-feira, 11 de agosto de 2017



Dia dos Pais 


Meu pai se foi e jamais foi, de uma hora para outra, há 30 anos. Imigrante italiano, antes de chegar ao Brasil, em 1949, de navio, com minha mãe e meu irmão de cinco meses, começou a trabalhar numa fábrica, na Itália, aos 14 anos. Participou como soldado e sargento na Segunda Guerra Mundial.

Depois do conflito e de se formar geômetra, trabalhou numa empresa de construções. Apesar da vida difícil, das perdas e dos ganhos, meu pai mantinha a vontade de viver, trabalhou até o dia em que faleceu, aos 67 anos, gostava da minha mãe, de mim e dos meus irmãos, de música clássica e popular, vinho com moderação, leitura, boa comida, de trabalhar como construtor e manter a família unida.

"O dia tem 24 horas, oito de descanso, oito de trabalho e oito de diversão", me ensinou. Disse-me para não pedir dinheiro emprestado e ir ao banco mais para depositar que sacar; a pedir desconto e pagar à vista; a ser comedido na cobrança de honorários (fui advogado), não exagerar em nada (tudo em exagero não dá), tratar bem todas as pessoas, independentemente da classe social ou econômica; me disse, socrático, que o que a gente sabe é que nada sabe; que o amor e a família são o mais importante. Um dia me disse que era bom gastar dinheiro.

Quando eu tinha seis e 11 anos, me levou para a Itália. Conheci o País e os parentes. O primeiro sorvete italiano e os sorrisos das nonnas nunca esqueci. De vez em quando, meu pai deixava mensagens escritas, mais refletidas. Brincava com meu pai dizendo que ele tinha me tirado a chance, que ele, privilegiado, teve, de começar do zero.

Certa época, eu andava meio à deriva, sem pensar muito em estudo ou trabalho. Dormia tarde, acordava tarde, quando chegava da rua, de manhã, ele estava tomando café, pronto para ir trabalhar. Aí ele foi muito duro, duríssimo comigo: "O horário da pensão aqui é meio diferente do teu. Te aconselho a segui-lo. Tu vais ser ou fazer na vida o que quiseres, menos fazer e ser nada". Depois de alguns anos, vi que ele até foi mole.

Como disse o Twain: "Quando eu tinha 18, achava que meu pai não sabia nada. Aos 21, me dei conta como ele aprendera coisas em três anos". No final, o que um filho lembra mais do pai, além das palavras ditas ou escritas e dos silêncios, é o exemplo de como o pai era, como agia e reagia, como se relacionava com as outras pessoas, com o poder e com o dinheiro e o que trazia na alma. Sou pai há 27 anos.

É pouco tempo. Pai vai se construindo, reconstruindo, aprendendo e desaprendendo até o dia em que se torna energia pura. Só vai morrer realmente quando ninguém mais lembrar dele. Pais espertos se deixam educar, ao menos um pouco, pelos filhos, que sabem muito bem como é difícil educar um pai.

Pais espertos, por vezes, não dizem nada sobre as famosas incontinências verbais dos filhos. Faz parte. Pais sabem que a melhor forma de ganhar uma discussão é, muitas vezes, não começá-la, tipo assim zen. Pais espertos sabem que é melhor dar uma de mãe: amar os filhos sem condições ou cobranças. Pai de hoje visita o filho na cadeia.

a propósito... 

No meio da discussão sobre o papel do homem e do pai, é bom lembrar que não é só certidão de nascimento, cheque da conta da maternidade, docs do colégio e da faculdade e conta do super. Papel de pai hoje é tipo assim pãe, meio mãe, meio terno, mas sem perder a dureza necessária para a essencial disciplina da vida, que não anda lá muito disciplinada. Não é fácil, não é impossível. É pedra e mel nas mãos, dependendo do dia e das circunstâncias. Antes, pai era autoridade, provedor, cara séria, surra no fim do dia ("quando teu pai chegar...") - hoje, é sério e brincalhão, liberal e durão, forte e frágil, e humano, demasiado humano, maravilhoso, como todos nós.



 - Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/08/colunas/livros/578104-brasil-recente-e-futuro.html)

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