terça-feira, 8 de agosto de 2017


08 DE AGOSTO DE 2017
DAVID COIMBRA

Minha estada na Venezuela


Estive na Venezuela em 2009, quando Hugo Chávez saboreava o apogeu da popularidade. Não se podia dizer que o país vivesse uma ditadura, como afirmavam alguns. É verdade que Chávez conseguira aprovar uma emenda à constituição que permitiria sua reeleição por tempo indeterminado, mas as críticas ao governo ainda não sofriam censura ? e o governo merecia críticas.

O que vi, naqueles 10 dias, foi um país atrapalhado exatamente pela ação errática do governo. Chávez cometia o velho erro dos políticos de esquerda, de acreditar que o Estado pode resolver os problemas de distribuição de renda sem o incremento do Mercado ? ou seja: sem o incremento da renda. Assim, um país que até então era rico, com parte da população pobre, tornava-se pobre por inteiro.

Os imensos recursos da exploração do petróleo já não eram o bastante para a sede do governo. A crise fez com que Chávez fosse à TV e pedisse que os venezuelanos tomassem menos banhos por semana, a fim de economizar energia. Nos supermercados, não havia mais produtos básicos, como azeite, carne e até papel higiênico. Não existia mercado negro de dólar: existiam mercados negros, você podia comprar a moeda americana em várias cotações.

Chávez reagia de forma bizarra, responsabilizando ?as elites? pelo fracasso do país. Num dos finais de semana que lá estive, ele prometeu que bateria o recorde de permanência ao vivo num programa de TV: dois dias completos. Assisti a pedaços do show. Chávez tinha vocação para comunicador. Gostava de falar. Gostava do microfone, das luzes e das câmeras. Expressava-se com fluência. Mas não conseguiu bater o recorde. Em meio ao sábado, cansou e interrompeu a programação.

Se fosse fazer uma correspondência com políticos brasileiros, diria que Chávez era uma mistura de Jânio Quadros, Collor e Lula, os quatro histriônicos, popularescos e algo folclóricos.

Os povos, talvez para se vingar inconscientemente da opressão dos poderosos, gostam de ser governados por homens afeitos ao ridículo.

A grande herança de Chávez, porém, não foi a debacle econômica. Foi a agudização da divisão da sociedade. Parte da Venezuela, por ter adquirido privilégios e benefícios, tornou-se dependente do governo. Outra parte recebeu do governo a culpa pelos males históricos que o país enfrentava. Quer dizer: uns odiavam o governo, outros precisavam dele.

O discurso de ?eles? contra ?nós? escravizou a Venezuela, e isso se vê hoje com maior clareza. Qualquer solução apresentada para qualquer problema sempre encontrará violenta oposição. Porque não importa a solução apresentada, e sim quem a apresenta. O chavismo roubou a paz da Venezuela. Mesmo que a prosperidade seja alcançada, será impossível contentar a toda a gente, porque alguém sempre sairá perdendo. A Venezuela sempre teve questões sérias a resolver. Agora tem algumas impossíveis de resolver. Parece com algum país que você conhece?

DAVID COIMBRA

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