Um paciente com morte cerebral, vítima de um acidente com moto, jaz no leito da emergência de um hospital público em uma área carente do Rio. De um lado, sua mãe, religiosa, ainda acredita num milagre e, por isso, se recusa a autorizar doação de órgãos do rapaz. Do outro lado, o diretor do hospital pressiona o cirurgião a resolver logo o impasse, pois precisa dos equipamentos que estão sendo usados para manter o paciente respirando.
"Se você desligar a máquina, o coração para e não tem doação", argumenta o médico. "Mas eu não posso abrir precedente. Encara a realidade, Evandro", responde o diretor. "É o que eu faço aqui todos os dias", suspira o cirurgião. Esta cena, do terceiro episódio, é exemplar das muitas qualidades de "Sob Pressão", série que a Globo está exibindo às terças-feiras, no seu horário nobre.
O primeiro ponto positivo, que logo salta aos olhos, é que o programa, deliberadamente, dá as costas ao que se consagrou como o modelo do drama médico na TV: as séries americanas. Trata-se de um segmento importante na teledramaturgia, desde sempre. E que, no imaginário dos mais jovens, é representado por dois sucessos criados na década passada, "House" e "Grey's Anatomy".
Realizado em parceria com a Conspiração Filmes, "Sob Pressão" ambiciona retratar a realidade da saúde pública brasileira –da falta de recursos, equipamentos e médicos aos muitos dramas do cotidiano, frutos da miséria e da desinformação.
Evandro (Julio Andrade) descobre no segundo episódio que o hospital está pagando R$ 1 milhão por um tomógrafo que, na realidade, custa R$ 500 mil. Samuel (Stepan Nercessian), o diretor do hospital, não vai ganhar nada com a mutreta, mas entende que aceitar o golpe é a única forma de conseguir o equipamento, tão necessário. E convence o seu cirurgião a dar aval à aquisição.
No primeiro episódio, sem drenos para colocar em uma paciente na mesa de cirurgia, Evandro recorre a um pedaço da mangueira utilizada para limpeza. Na definição bem-humorada dos próprios roteiristas, o protagonista é uma espécie de "MacGyver do SUS".
A matéria-prima da série é o livro "Sob Pressão - A Rotina de Guerra de Um Médico Brasileiro" (Globo Livros, R$ 29,90, 136 págs.), escrito pelo cirurgião Marcio Maranhão, com base em sua experiência de 15 anos em hospitais públicos no Rio. Mas o programa da TV vai além do caráter documental, muito bem registrado, diga-se, pelos diretores Andrucha Waddington e Mini Kerti. É entretenimento de primeira, na sua mistura de drama, tensão e, acredite, humor.
O roteiro excepcional de Jorge Furtado (com Antonio Prata, Lucas Paraíso e Marcio Alemão) consegue, em paralelo ao registro dos dramas enfocados, dar alguma humanidade aos pacientes que frequentam o hospital e aos médicos.
Arrisco dizer, ainda faltando alguns meses para o fim do ano, que se trata da melhor obra de teledramaturgia exibida pela Globo em 2017.
Em tempo: seria injusto não registrar que, em 2016, uma outra série de ficção brasileira, com ambição semelhante, buscou retratar a realidade das UBS (Unidades Básicas de Saúde) no município de São Paulo. "Unidade Básica", criada por Helena Petta e Newton Cannito, produzida pela Gullane Filmes, traz Caco Ciocler e Ana Petta como médicos que enfrentam problemas típicos de uma região carente de tudo em São Paulo.
Exibida pelo canal pago Universal, a série tem pontos de contato com "Sob Pressão", mas não alcança um resultado tão forte quanto. Em todo caso, seria um bom momento para o canal reprisar os oito episódios.
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