Empurrar com a barriga é o que o Brasil mais tem feito na última década. Desde a grande crise financeira que abalou o mundo em 2008, recorremos a uma série de malabarismos fiscais para mascarar o elevado gasto público: desonerações e controles de preços que represavam a verdadeira inflação, incentivos ao consumo que disfarçavam a falta de potencial para crescermos sustentavelmente e proteções tarifárias que tentavam compensar a baixa competitividade de nossas empresas.
Ao longo da década, o país conseguiu escapar da grande derrocada porque o mundo lhe foi bastante favorável. Desde a expansão fiscal chinesa, que contribuiu para elevar significativamente os preços de nossas exportações, até a política de juros extremamente baixos nas principais economias, contamos com o tempo a nosso favor.
O atual governo começou a mudar nossa perspectiva de eterna vulnerabilidade ao ambiente externo. Avançamos em ações microeconômicas importantes, com as mudanças na legislação sobre conteúdo nacional, melhorias na gestão de estatais e bancos públicos e a reestruturação do papel do BNDES, entre outras.
A reforma trabalhista e a Lei da Terceirização foram avanços extremamente relevantes. Na parte macro, estabelecemos um teto para os gastos públicos, uma regra fiscal de grande importância para um país que vem sofrendo a maior crise econômica de todos os tempos.
Apesar de todas as conquistas, a sensação atual é que retrocedemos ao passado não tão longínquo. Depois dos eventos de maio e da crise política que se instaurou, passamos a empurrar as questões cruciais do país para o próximo governo, sem termos a menor ideia de como ele será.
Como resolver o problema fiscal brasileiro sem uma reforma da Previdência abrangente? Após o Congresso barrar o avanço da denúncia contra o presidente, poderemos ao menos mudar algumas regras que engessam o gasto público? Poderemos enfrentar a resistência de grupos organizados que se beneficiam das distorções do gasto público?
Tudo indica que não. O capital político do governo é hoje bem menor do que era logo depois do impeachment. A denúncia contra o presidente foi barrada, mas o custo foi bem alto. A aprovação da reforma da Previdência e de outras medidas impopulares exige uma perspectiva de poder que esse governo não terá tempo de oferecer.
Na melhor das hipóteses, o governo, daqui em diante, concentrará esforços em evitar a perda total da confiança do mercado financeiro e dos empresários. A mudança das metas fiscais deste ano e de 2018 foi bem recebida pelos investidores, mas exige vitórias importantes no Congresso que serão cautelosamente acompanhadas.
Escapamos do rebaixamento das agências de rating por ora. Enquanto a perspectiva de equilíbrio fiscal vai se esvaindo, aproveitamos o interregno benigno mundial na esperança de um governo forte em 2019.
A má notícia é que a atual crise política atingiu quase todos os partidos, aumentando a chance de a próxima eleição presidencial ser bem pulverizada e altamente incerta.
SOLANGE SROUR é economista-chefe da ARX Investimentos
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