sábado, 5 de agosto de 2017



10 de setembro de 2011 | N° 16821
CLAUDIA LAITANO


Se meu mundo cair

O filme Melancolia, ainda em cartaz em Porto Alegre, leva ao limite a ideia de que um estado interior pode ser traduzido por uma imagem. Sem propriamente desenvolver a história dos personagens, mas com visual e trilha sonora impactantes, o diretor Lars Von Trier compara a depressão a um astro gigantesco que não apenas colide com nosso pequenino e frágil planeta, mas o imobiliza e absorve completamente.

Von Trier, ele próprio um sobrevivente da depressão, não foi o último nem o primeiro a destruir o mundo para falar de outros assuntos: a metáfora é simplesmente irresistível em sua simplicidade.

Amanhã, estaremos lembrando o dia em que a História engendrou uma cena mais impressionante do que uma metáfora da ficção. Um dos legados menos óbvios do 11 de Setembro talvez tenha sido o de traduzir plasticamente expressões como “meu mundo caiu”. Psicanalistas comentam que, meses depois do atentado em Nova York, a imagem do colapso das duas torres ainda era usada como referência recorrente por pacientes que, por um motivo ou outro, estavam enfrentando a sensação de que tudo que era sólido estava se desmanchando no ar.

Separações, doenças, mortes na família, mudança súbita no padrão de vida, cada um desses pacientes tinha seu World Trade Center particular para superar: remover entulhos, fazer o luto pelas perdas, construir um memorial no espaço onde antes existia uma estrutura aparentemente inabalável e, tempos depois, ainda tentar extrair algum tipo de lição de toda a tragédia.

Quando o mundo cai – metaforicamente, pelo menos –, cada um junta os caquinhos do jeito que pode e sabe: uns com absinto outros com psicanálise, uns cantando um samba outros tomando remédio, uns comprando um carro, outros aliviando dores alheias. No final dos anos 50, Maysa compôs Meu Mundo Caiu, que se tornaria um clássico da dor de cotovelo nacional.

Uma música que evoca ambientes enfumaçados, porres de conhaque e uma autoestima à altura do carpete, composta por uma mulher de espírito livre que, tivesse nascido algumas décadas depois, talvez tivesse se sentido um pouco menos deslocada e sem chão: “Se meu mundo caiu/ Eu que aprenda a levantar”.

Pois o hino da fossa ganhou uma versão “zen”, digamos assim. O compositor José Miguel Wisnik, que se apresenta amanhã dentro da programação do Em Cena, acaba de gravar no disco Indivisível a linda canção Se Meu Mundo Cair, que oferece uma poética abordagem para os inevitáveis World Trade Centers da vida:

“Se meu mundo cair/ então caia devagar/ Não que eu queira assistir/ sem saber evitar/ Cai por cima de mim:/ Quem vai se machucar/ ou surfar sobre a dor até o fim?/ (...) Ter o mundo na mão/ sem ter mais/ onde se segurar/ Se meu mundo cair/ Eu que aprenda a levitar”.

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