terça-feira, 15 de agosto de 2017



Tolerar a intolerância?

Justin Ide/Reuters
As flores e uma foto da vítima do carro, Heather Heyer, encontram-se em um memorial improvisado em Charlottesville, Virgínia, 13 de agosto de 2017
Memorial improvisado em Charlottesville, Virgínia, em homenagem a ativista morta

SÃO PAULO - Um dos problemas que democracias enfrentam é o de como lidar com aqueles que negam seus princípios elementares, mas não chegam a conspirar para dar um "putsch". Entra nessa categoria a manifestação orquestrada por supremacistas brancos em Charlottesville, na Virgínia, neste sábado.

Não há como conciliar uma ideologia francamente racista, como a defendida pelos organizadores da marcha, em que se viam suásticas e se gritavam slogans contra negros, com a noção, nuclear para a democracia, de que os direitos de minorias precisam ser sempre respeitados. Mas usar a lei para silenciar esses grupos também não é uma solução satisfatória, já que viola outro pressuposto essencial da democracia, a liberdade de expressão. Como sair do paradoxo? Quão tolerante a democracia deve ser com os intolerantes?

Penso que os americanos lidam bem com esse tipo de situação. Os EUA são um dos poucos países que levam a liberdade de expressão realmente a sério, permitindo que qualquer grupo exponha qualquer ideia e mobilize seus simpatizantes para defendê-la. E "qualquer" aqui não é força de expressão. 

Nos anos 70, a Suprema Corte ratificou o direito de um grupo nazista de realizar uma passeata em Skokie, cidade habitada por vários sobreviventes do Holocausto.
Como a democracia nos EUA nunca foi seriamente ameaçada por grupos extremistas domésticos, não dá para dizer que a virtual sacralização da liberdade de expressão pelos tribunais seja um tiro no pé. Fica claro, porém, que o país se vale de outros mecanismos (sociais) para manter o radicalismo sob controle. É aqui que surgem motivos para preocupação.

O grave não é que supremacistas brancos tenham conseguido fazer uma manifestação nos EUA, mas sim que o presidente do país, que deveria atuar como uma espécie de bússola nas grandes questões morais, tenha relutado tanto em condenar o evento racista de forma inequívoca. 

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