26 DE AGOSTO DE 2017
DAVID COIMBRA
O que você aprende quase morrendo
A pergunta que as pessoas mais fazem a quem um dia teve câncer é:
"O que você aprendeu com isso?".
Compreensível. Sendo o câncer uma espécie de quase morte, as pessoas esperam que haja algo de aproveitável nessa experiência radical. O sujeito descobre um câncer, sofre, sofre e, de repente, é como se tivesse uma epifania: ele desvela o sentido da vida e se torna alguém muito mais sábio.
Então, na ânsia de beber daquele conhecimento sem sentir dor, as pessoas insistem:
"O que você aprendeu? No que você mudou? O que ficou diferente?".
E, de fato, tenho ouvido gente que teve câncer ou outras doenças graves dizer que passou a valorizar mais a vida e as pessoas que ama, que agora vê o mundo com outros olhos, que tudo ficou mais belo e que decidiu fazer coisas que nunca fez antes. Elas se transformaram em pessoas melhores, depois de ver de perto os olhos amarelos da morte.
Para mim, isso é tremendamente frustrante. Porque sempre valorizei a vida e as pessoas que amo, sempre achei graça no mundo e tentei fazer o que gosto. Ou seja: não me transformei em uma pessoa melhor por causa da doença. De que adianta ter câncer assim? Francamente. Maldito câncer inútil.
Mas, dias atrás, alguém disse algo que me fez pensar que talvez tenha aprendido um pouco com toda essa encrenca, afinal. Foi uma frase comum, uma sentença corriqueira do tipo "é importante se preocupar com o futuro", ou "precisamos construir o futuro", ou coisa que o valha.
Então me dei conta: ao sentir o futuro ameaçado, vi que o importante não é construir o futuro: é construir o passado.
Na verdade, é só o que o homem faz. A cada hora do seu dia, você está construindo o seu passado. Até porque o futuro não existe, o futuro nunca chega. Assim, se você alcança o fim do dia e conclui "tive um dia bom, fiz boas coisas", significa que você depositou um naco de tempo positivo no seu passado. Mais tarde, você poderá lançar mão dessa poupança, você olhará para o saldo do passado e verá cenas e fatos interessantes, que lhe darão satisfação e, talvez, até orgulho. Você se sentirá leve, você contará aos outros sobre tudo aquilo que aconteceu e abrirá um sorriso de contentamento.
Um dia vivido com dignidade e alegria é o melhor que você pode fazer a você mesmo. Porque a dignidade e a alegria estarão depositadas na sua conta.
Foi o que me ensinou a experiência de quase morte. Foi saber que qualquer um de nós pode morrer daqui a dezenas de anos, ou amanhã, ou, puf!, já. E que isso, na verdade, não importa. Só o que importa é que, quando esse futuro chegar, me encontre de posse de um belo passado. É o que tenho feito. Tenho tentado melhorar o meu passado. Nem sempre é fácil.
david.coimbra@zerohora.com.br
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