sábado, 29 de abril de 2017



29 de abril de 2017 | N° 18832 
LYA LUFT

Intimidades

Quando menina, acreditei no Papai Noel até uns seis anos, no Coelho da Páscoa, mais ou menos isso, e na cegonha, até uns oito. Eram outro século, outras gentes, outras ideias e outras vidas. Além disso, sempre fui considerada meio pateta e desligada para esses assuntos. Até que um dia, num grupinho de amigas de oito e nove anos, do qual eu era a maior e mais novinha – e não me deixavam entrar em certos segredos –, alguém perguntou se era possível que eu ainda acreditasse na cegonha.

Não sei o que respondi, mas fiquei muitíssimo humilhada, ainda sinto vermelhos rosto e orelhas, e claro que as outras começaram a rir. A mais velha, gravemente, disse: “Então eu vou te ensinar”. A plateia fez um círculo, atentíssima. Gelei, entre curiosa e amedrontada. Ali vinha algo muito inquietante, e eu por qualquer bobagem me inquietava.

A história, grotesca, para mim então assustadora, era mais ou menos isto: “Os nenês são miudinhos assim, do tamanho de um grão de feijão, e estão na barriga do pai. Um dia, o pai os passa pra barriga da mãe por uma borrachinha, e depois de uns meses a gente nasce”. Fui poupada do detalhe da dor ou de abrirem a barriga com uma faca, mas mesmo assim passei dias imaginando, entre comovida a aterrada, os bebezinhos minúsculos passando pela tal borrachinha, e em que circunstâncias isso se daria.

Não acho que as coisas hoje sejam piores do que nossa ignorância de então. Mas comentários sobre sexo “fluido”, isto é, sem gênero específico, entre pré-adolescentes, além de beijo rolando à solta, e o comentário de um menino, “Ué, a senhora nunca ouviu falar em sexo casual?”, numa festinha outro dia, me fizeram pensar. Não fiquei muito espantada, mas mesmo assim depois ri de mim mesma: também, o que poderia esperar de quem acreditou na cegonha até os oito?

Acho bom sermos naturais e sinceros. Detesto hipocrisia e falso moralismo. É bom sermos instruídos e não abobados. Mas me preocupa um pouco esse sexo fluido ou casual entre jovenzinhos. Sei que não são todos, talvez nem a maioria, quem sabe ainda se preserva alguma coisa de mágico, romântico, como sexo com alguém muito especial – coisa que nem acho ridícula, nem ultrapassada, mas humana, madura, e bela. 

Lógico que sou antiquada. Minha adolescência foi há décadas atrás. Mas não fiquei com a alma enrijecida. Amo e prego a liberdade, que seja com cuidado. Com gentileza, com alguma sabedoria, pois, mesmo – ou especialmente – quando adolescentes, não somos obtusos.

As delícias e sustos do namoro, do amor, da paixão, do sexo com paixão, ternura e alegria, a graça de ver alguma graça em tudo o que implica relações humanas amorosas, mesmo em idade precoce comparando a anos atrás, tudo isso não deveria se perder. Há muita bazófia entre jovenzinhos: “Eu já transei, eu já beijei, já fiquei. Beijei quinze meninas ontem à noite, fiquei com seis rapazes ontem à tarde”. O que significa isso? 

Que sentimos carinho, encantamento, ou mesmo êxtase, com uma porção de parceiros e parceirinhas? Ou é uma moda, uma espécie de obrigação, que mais se finge e se fala do que de verdade se pratica? Não sei. Pouco sabemos uns dos outros. Mas, no fundo mais fundo, queria que algo se preservasse de íntimo na intimidade das gentes.

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