quinta-feira, 6 de abril de 2017



06 de abril de 2017 | N° 18812 
L. F. VERISSIMO

Em comum

O homem é o único animal que fala pela mesma razão que é o único animal que se engasga. Algo a ver com a localização da laringe. Ou é da faringe? Enfim, algo no homem lhe dá o dom da expressão verbal que nenhum bicho tem, mas os bichos, em compensação, nunca se veem na situação embaraçosa de dizer o que não deviam ou se engasgar na mesa. 

O fato também sugere uma questão: foi a necessidade que o homem – ou, mais provavelmente, a mulher – sentiu de falar que determinou a eventual localização privilegiada da laringe, ou foi o acaso de a laringe humana evoluir como evoluiu que determinou a fala? O ser humano desenvolveu a fala por um acidente anatômico e assim virou gente ou a linguagem foi uma etapa lógica da sua evolução, porque para ser gente só faltava falar?

O próprio Darwin chegou a especular que a fala começou como pantomima, com os órgãos vocais inconscientemente tentando imitar os gestos das mãos. A linguagem oral teria se desenvolvido porque, antes da invenção do fogo, a linguagem gestual não era vista no escuro e as pessoas, ou as pré-pessoas, não podiam se comunicar. A linguagem é filha da noite!

Teorias estranhas sobre a origem da linguagem não faltam. No século 17, um filólogo sueco afirmou com certeza que no Jardim do Éden Deus falava sueco, Adão falava dinamarquês e a serpente falava francês. 

(Sempre a má vontade com os franceses.) Na sua infância – a palavra “infância”, por sinal, vem do latim “incapacidade de falar” –, a humanidade não produzia palavras, mas certamente produzia sons, e uma das teorias sobre o nascimento de fonemas é que o ser humano teria começado a imitar os sons dos animais para identificá-los e que esta foi a última vez em que o mundo teve uma linguagem comum. Foi chamada de “teoria bow wow”, e o nome já a desmentia, pois “bow wow” é como latem os cachorros anglo-saxões, enquanto os luso-brasileiros fazem “au-au” e os japoneses, segundo os japoneses, “bau-bau”.

A única linguagem comum a toda a humanidade é a dos ruídos involuntários do nosso corpo. Toda a espécie humana espirra e tosse da mesma maneira, não há como variar a pronúncia de um arroto e nada simboliza melhor a nossa igualdade intrínseca do que o pum, que todos dão da mesma maneira, não importa o que digam do pum alemão. Eis uma receita para o entendimento, inclusive entre os grupos e facções em choque no Brasil de hoje, esquerda x direita, políticos x Lava-Jato etc. Todos os confrontos entre partes litigantes deveriam começar com um coro de ruídos elementares, para enfatizar nossa humanidade em comum.

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