quarta-feira, 26 de abril de 2017



26 de abril de 2017 | N° 18829 
EDITORIAL

FOGO AMIGO NO MP

Ganha repercussão nacional uma questão interna da Procuradoria-Geral da República, que pode fragilizar a Operação Lava-Jato e favorecer os suspeitos de envolvimento com a corrupção. Por iniciativa da subprocuradora-geral Raquel Dodge, uma das candidatas à sucessão de Rodrigo Janot, o Conselho Superior do MP propõe que seja fixado em 10% o limite de transferências de procuradores a outras áreas por necessidade de serviço. 

A resolução, que já conta com votos favoráveis de sete dos 10 conselheiros, terá o efeito prático de desmantelar a equipe de procuradores federais que assessoram Janot e que já estão familiarizados com os processos em andamento. O retardamento é tudo o que os advogados dos réus desejam para procrastinar julgamentos e conseguir que as ações penais de seus clientes prescrevam.

Por isso, a proposta provocou reação forte de Rodrigo Janot, que atualmente conta com sete auxiliares requisitados de instâncias inferiores. Tudo indica que questões corporativas e vaidades estão sendo colocadas acima dos interesses do país e da própria missão do Ministério Público. E não se pode desconsiderar a possibilidade de que tal manobra tenha origem no estamento político, que vem articulando sub-repticiamente maneiras de sabotar a Operação Lava-Jato.

O procurador-geral da República fez bem em dar visibilidade à questão, pois assim a população brasileira pode acompanhar de perto uma disputa corporativa com potencial para interferir na maior investigação de fraudes da história do país. O que ocorre nos bastidores do poder é do interesse de todos, pois a transparência, definitivamente, passou a ser um poderoso antídoto para a corrupção.

INTEGRAÇÃO DO CRIME

As suspeitas de que a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), surgida em São Paulo, teria comandado o mega-assalto de cerca de R$ 124 milhões a uma transportadora de valores em Ciudad de Leste, no Paraguai, contribuem para reafirmar a total perda de controle das forças de segurança sobre o crime organizado. Depois de se disseminarem por diferentes Estados brasileiros, grupos armados como o responsabilizado pelo ataque milionário expandem seus tentáculos para os países do Mercosul. Desafiam, assim, as autoridades de segurança a reunirem condições de empreender ações mais coordenadas e eficazes, o que até agora está longe de ocorrer na prática.

Uma das razões para a criminalidade se planejar de forma tão sofisticada, com divisão detalhada de tarefas e uso de armas potentes, é justamente a ausência de Estado. Livres para agir, as facções passaram a dominar o tráfico de drogas e a exercer o poder nos principais presídios do país. A população do Mercosul só tem razões para se preocupar diante do recrudescimento das garras do crime organizado para além das fronteiras do Brasil.

Os países da região não podem admitir que se consolide um verdadeiro “Narcosul do crime”, como define um dos maiores especialistas do Brasil nesse tipo de atividade. Diante das reiteradas demonstrações de uma ousadia cada vez mais sem limites das facções, em contraste com o desgaste das forças de segurança de maneira geral, é inevitável que a população se atemorize com os resultados dessa queda de braço. O poder público precisa reagir à altura, de forma integrada com outros países da região, para deter o avanço do crime, impedindo sua internacionalização.

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