terça-feira, 18 de abril de 2017




18 de abril de 2017 | N° 18822 
DAVID COIMBRA

A alegria dos anjos

O arrependimento, definitivamente, não é um sentimento popular entre os brasileiros. Trata-se de idiossincrasia nacional. Nós choramos, nós nos emocionamos, nós nos enfurecemos, nós ficamos tristes. Arrependidos, jamais.

Um japonês, quando flagrado em pecado, o que ele faz? Até há pouco, atirava-se na frente de um trem-bala Shinkansen e virava sashimi. Agora, as autoridades estão cobrando das famílias dos suicidas a limpeza dos trilhos, então eles preferem a forca, o excesso de barbitúricos ou o tradicional esventramento do haraquiri.

Mas não pense que isso seja devido ao desprezo oriental pelo gozo da vida. Nada disso. Poucos sentimentos são mais valorizados, na tradição ocidental bíblica, do que o arrependimento verdadeiro.

Jesus dizia que haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se arrependa. E disse mais. Disse que sua missão era exatamente esta: provocar o arrependimento. “É o doente que precisa do médico, não o são”, explicava, e aí é óbvio que o “médico” em questão era ele próprio.

O judaísmo e o cristianismo são baseados em um esquema simples: o inevitável cometimento do pecado, seguido do sentimento de culpa, aliviado pelo arrependimento.

Todos pecamos, porque a carne é fraca e cede às tentações. Mas há salvação, desde que haja autêntica contrição.

Entre nós, brasileiros, onde está a contrição? Ninguém sabe, ninguém viu.

José Mayer bem que tentou. Três dias depois de ter sido comprovado que ele havia perseguido e atacado sexualmente uma colega de trabalho, Mayer escreveu uma carta pedindo desculpas, só que sem assumir totalmente a culpa. Segundo ele, a culpa é da forma como foi educada a sua geração.

Como é que é?

Que geração é essa, que acha normal um homem agarrar as partes pudendas da colega durante o horário de trabalho, sem a permissão dela?

José Mayer tem mais de 60 anos e ninguém contou para ele que isso é errado! Só agora que ele descobriu!

Ou seja: não houve real arrependimento. Houve a tentativa de se livrar da crítica, de aliviar a pressão e de atenuar a culpa. Tivesse hombridade, José Mayer assumiria: “Errei, estou arrependido, peço desculpas”. Pronto.

Assim os políticos brasileiros. Carradas de escândalos e nenhum deles, nem um só, admite o erro e faz um gesto de contrição. Segundo eles, a culpa é do sistema político, é preciso haver reforma política, desse jeito é impossível não ser corrupto.

Lula e Renan Calheiros, os campeões da desfaçatez, falam em abuso de autoridade e reclamam de perseguição à classe política. Estão querendo criminalizar a classe política, alegam.

Ora, como é que Olívio e Tarso, dois ex-governadores e ex-ministros de Lula, não são criminalizados? Por que eles não são perseguidos? Como é que Pedro Simon, também ele ex-governador e ex-ministro, do mesmo partido de Renan, não se queixa de abuso de autoridade?

Olívio, Tarso e Simon, entre muitos outros, dormem tranquilos à noite e, de dia, podem andar na rua de queixo erguido. Por que será? Serão eles privilegiados? Por que o sistema, culpado dos pecados dos políticos, não os transformou também em pecadores?

A culpa é da geração, a culpa é do sistema, está havendo perseguição, está acontecendo abuso. Ninguém assume o erro, ninguém se arrepende. Se depender dos pecadores brasileiros, os anjos de Deus não terão um segundo de alegria nas alturas do céu.

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