18 de abril de 2017 | N° 18822
CARPINEJAR
Empoderamento masculino
A
esposa elaborou uma lista de minhas roupas que pretende doar para a Campanha de
Agasalho. São dois calções de futebol largos, a camiseta com uma homenagem ao
restaurante Mocotó, de São Paulo, uma calça colorida e uma camisa psicodélica
que coloco virada de propósito. Ela detesta. Já escondeu a pilha no cesto de
roupa suja – eu lavava e ela colocava de volta como se estivesse suada. Já camuflou
atrás de seus vestidos. Já ensaiou uma sacola para doação. Eu sempre encontro
na última hora, como um Sherlock mendigo.
Desmontei
os seus planos maquiavélicos de forçado desapego. Qual a graça da bondade
emprestada? É como se ela fizesse ioga no meu lugar.
Fico
matutando que o mau gosto é muito pessoal, ninguém mais usaria os meus trastes
além de mim, mesmo se fossem dados.
Como
ela demonstra indisposição, não há mais como me desfazer delas. Acabou a pureza
do convívio, entramos na insana queda de braço. Aceitar prontamente o descarte
seria sinal de fraqueza e de submissão de minha parte. É uma oposição divertida
que alimento entre nós. Provoco o seu destempero e o festival de ataques. Minha
vontade é de rir com as suas respostas inusitadas, porém mantenho o perfil sério
para aumentar a graça da encenação.
O
que realmente adoro é sair com uma das peças e ver sua cara de assombro. Ela
chega a preparar um beiço todo especial:
– Você
vai sair desse jeito?
É a
pergunta mais deliciosa que o homem pode receber de sua mulher. Eu me sinto
poderoso, independente, vingando a minha personalidade. Ela me analisa e
desaprova, e não cedo um passo, não entro em parafuso, não declino. Ela quase
enlouquece procurando me convencer de que estou jeca. Na última vez, ela me
chamou de “pega-frango”. Coisa boa não é, ainda mais nesta crise de confiança
da carne. Eu respirei fundo e não levei a ofensa para o particular. Fingi que
era uma crítica a um personagem.
Não
que eu queira não lhe agradar, mas não posso agradar-lhe sempre. Mantenho uma
reserva de autonomia, senão estarei passeando com uma coleira no pescoço.
Concordo
que essas roupas são péssimas, cafonas, chinelonas. Não falo, porém concordo
silenciosamente no fundo da alma. Não coloco fora porque ela inventou de
implicar com elas, daí virou uma questão de honra.
O
amor é feito de dissidências. Quem concorda com tudo não tem opinião própria.
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