sábado, 29 de abril de 2017



29 de abril de 2017 | N° 18832 
MARTHA MEDEIROS

Apoteótico

Nada de traje passeio ou passeio completo. Era assim mesmo que estava escrito no convite: “Dress code: apoteótico”

Recebi convite para uma festa, mas não qualquer festa. O aniversariante era um dos ícones da cena cultural brasileira e o evento prometia parar a noite de São Paulo. Me dei conta do tamanho da encrenca quando li o dress code sugerido: apoteótico. Nada de traje passeio ou passeio completo. Era assim mesmo que estava escrito no convite: Dress code: apoteótico.

Nem o descolado guia da Mauren Motta, Socorro! Com que Roupa Eu Vou? havia me preparado para esse desafio. O que seria uma roupa apoteótica? Teria que fazer uma busca no closet da Claudia Raia? Apelar para alguma rainha de bateria? Cheguei a pensar que um jeans rasgado e uma camiseta branca poderia causar um efeito triunfal às avessas, e já estava quase levando essa ideia a cabo quando minha mãe me mostrou uma foto da minha festa de 15 anos, em que aparecíamos abraçadas. Ela perguntou: o que você acha deste vestido?

Pânico. Até então sua atividade cerebral andava perfeita, como poderia ter degringolado tão rapidamente?

“Mãe, você está sugerindo que eu vá com o meu vestido de 15 anos?”

Ela: “Martha, você não guarda nem o recibo da conta de luz, acha mesmo que eu acreditaria que guarda um vestido que usou aos 15 anos? E mesmo que guardasse, ele hoje estaria completamente amarelado e com mais rombos do que esse jeans destruído que você não tira do corpo”.

Ufa. Atividade cerebral em pleno funcionamento.

“Estou perguntando sobre o meu vestido, Martha, o meu!”

Minha mãe guarda não só todos os recibos da conta de luz desde que Thomas Edison inventou a lâmpada, como tudo o que tiver valor afetivo, e pra ela tudo tem – incluindo roupas que inexplicavelmente não amarelam e não são devoradas por traças. Olhei bem dentro dos seus olhos a fim de detectar algum prenúncio de loucura, mas ela continuou me encarando como se estivesse em seu juízo perfeito.

Na festa havia mulheres deslumbrantes vestidas com muito brilho (uma inclusive com lampadinhas acesas por baixo de uma saia de tule – medo!), outras vestindo quase nada, algumas com roupas de princesa, outras fantasiadas de personagens que não conheço e adivinhe quem roubou a cena? Claudia Raia, claro. Poderosa numa túnica longa de tecido dourado reluzente e com um capuz misterioso na cabeça, de um glamour a toda prova.

Eu fui com o vestido preto que minha mãe usou na minha festa de debutante – há exatos 40 anos. Segui a tendência de Hollywood: moda sustentável, elegância vintage, espírito retrô – só a cara de pau ainda estava com a etiqueta. Apoteose? Temos.

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