18 de abril de 2017 | N° 18822
ARTIGO - DENIS LERRER ROSENFIELD*
A BANALIZAÇÃO DO CRIME
Para além do conteúdo das falas dos delatores, em particular as do patriarca Emílio Ode- brecht e de seu filho Marcelo, chamam particular atenção os seus modos respectivos de expressão, a naturalidade com a qual falam de seus crimes.
Para eles, tratava-se de uma prática que tinha se tornado normal, vindo a fazer parte de sua atividade empresarial, se é que esta expressão tinha algum significado para eles. Empresários, no sentido estrito, não o eram, por eliminarem a concorrência, superfaturarem os preços, não inovarem e viverem de relações mafiosas com “seus” políticos, em particular o chefe de todos eles, Lula. O relato da intimidade entre eles é espantoso. O suposto “pai dos pobres” revelou-se, na verdade, o “pai dos ricos”.
O grande empresário tinha se tornado “vermelho”, enquanto o “vermelho” vendia os seus serviços ou os comprava conforme os benefícios deles e de seus respectivos comparsas. A máfia siciliana deve ter tido inveja deles.
Vejamos algumas características desse comportamento mafioso.
A frieza. Marcelo Odebrecht descreve suas atividades criminosas como se estivesse descrevendo um fenômeno qualquer. É frio em seu relato e segue a sua narrativa como se estivesse contando uma simples história. Qualidades propriamente morais de uma pessoa não se fazem nele presentes. Evita sistematicamente juízos de valor.
O deboche. Seu pai destaca-se em seus deboches, em sua pretensa “sabedoria política”, fruto de sua longa experiência “político-criminal”. Atinge o limite do insuportável, pois está debochando de todos os cidadãos que, indiretamente, terminaram financiando a sua atividade criminosa. A sua ironia é a de um desqualificado moralmente. Deveria ser preso por danos irreparáveis à coisa pública.
Naturalidade no crime. Não menos revelador dos dois é o modo mesmo como tratam o crime. Para eles, tornou-se algo constitutivo da atividade “empresarial”. O crime veio a fazer parte da vida deles, ganhando um ar de normalidade contrastante, por exemplo, com o comportamento honesto e civilizado da maior parte da população brasileira.
Enquanto os brasileiros vivem do suor do seu trabalho, os políticos e empresários criminosos comprazem-se em assaltar os cofres públicos. Imaginem se os ganhos da corrupção, dos superfaturamentos, dos oligopólios dessas empreiteiras e dos políticos fossem destinados, como de direito, para toda a população.
O país seria, seguramente, outro. Já o é, em certo sentido, por ter começado a limpeza.
*Professor de Filosofia
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