08 de abril de 2017 | N° 18814
PALAVRA DE MÉDICO
EU ERRO, TU ERRAS...
tenho certeza de que teremos médicos mais qualificados daqui para a frente
A relação de benefício/risco inerente à profissão médica tem peculiaridades e exigências raramente encontradas em outras atividades humanas.
O estabelecimento de protocolos e rotinas visa reduzir, ainda que não consiga eliminar, a possibilidade de erro sempre presente a atormentar os profissionais mais zelosos. O intervencionismo da medicina moderna, em absoluto contraste com a parcimônia contemplativa dos nossos ancestrais, expôs de maneira fragorosa a frequência com que mesmo os mais competentes e criteriosos erram.
Consciente dessa ameaça e dos danos potenciais, a medicina moderna se socorreu da experiência protetora de atividades que convivem diariamente com o risco, que não deixa de ser trágico só porque é calculado. E destas profissões, nenhuma se revelou tão merecedora do plágio quanto a aeronáutica. Os modelos de check-list passaram a ser copiados e os diálogos das cabines de comandos foram transferidos para as portas dos blocos cirúrgicos, com resultados altamente gratificantes. Alguns vícios como, por exemplo, a supremacia hierárquica em que o subalterno se constrangia em repetir o questionário recém feito pelo chefe foram identificados e corrigidos.
Da mesma maneira, foi desestimulada a informação presumida, tornando obrigatório que tudo, já confirmado, seja revisto em cada nova etapa. Uma experiência de aeroclube costuma ser usada para ilustrar o perigo de se presumir sem reiterar: um jovem na beira da pista, visivelmente ansioso, olha repetidamente o relógio, obviamente à espera do instrutor. Pouco depois, chega alguém, faz sinal de positivo, embarcam apressados e decolam. Minutos mais tarde, chegam juntos à beira da pista dois senhores com jaquetas idênticas onde se lia: instrutor. Imagine-se a surpresa e o desamparo mútuo de dois novatos que, por afoiteza, se descobrem entregues aos céus do mundo sem supervisão.
Incorporadas estas rotinas, o passo seguinte consistiu em copiar a moderna aplicabilidade das técnicas de simulação, trabalhadas exaustivamente pelos pilotos desde a primeira hora de sua formação acadêmica. A qualificação dos simuladores foi crescendo tanto que se percebeu que qualquer pessoa pode aprender a “pilotar” um avião de grande porte, a partir do computador.
A propósito, para os atentados de 11 de Setembro, os terroristas foram inicialmente treinados em pequenos aeroclubes na Flórida, onde só aprenderam as técnicas mais elementares de aviação. O aprendizado subsequente, indispensável para o manejo de jumbos, foi todo feito em sofisticados programas de simulação em computadores. Depois da catástrofe, um dos instrutores referiu que lhe pareceu estranho que aqueles alunos não demonstrassem qualquer interesse pelas táticas de pouso!
Na esteira dessa experiência, as modernas escolas de medicina avançaram no desenvolvimento de bonecos que reproduzem com tal perfeição o corpo humano, que praticamente todos os procedimentos médicos podem ser ensaiados e repetidos infinitas vezes em busca da inalcançável perfeição.
O uso de simuladores permite que a distribuição do conhecimento seja mais uniforme e, muito importante, que cada professor saiba instantaneamente o quanto o seu aluno, de fato, aprendeu, porque o mesmo programa registra os erros e acertos de cada um em treinamento. E como as máquinas não foram programadas para serem omissas ou condescendentes com os inaptos, é certo que teremos médicos mais qualificados daqui para a frente.
Essa perspectiva deslumbrante explica o entusiasmo com que o professor Newton Aerts recebe os visitantes no moderníssimo Laboratório de Simulação da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Um local a ser incluído em qualquer roteiro futuro de sucesso em nossa cidade.
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