sábado, 22 de abril de 2017


22 de abril de 2017 | N° 18826 
ANTONIO PRATA


PRIMAVERA, NY

Para dar um curso, vim passar um mês fora do Brasil, num lugar incrível ao qual eu nunca tinha vindo: chama-se primavera. Faz fronteira ao Sul com o inverno, ao Norte com o verão, a Leste com o East River e a Oeste com o Rio Hudson. Viajando por oito meses, tanto para cima quanto para baixo, é possível visitar o outono.

“Você vai adorar vir pra cá em abril”, havia dito a professora que me contratou. “A grama dos parques fica verdinha, há flores por todo lado, depois de vários meses trancadas em casa as pessoas saem pra rua, há gente dia e noite correndo e andando de bicicleta na beira do rio, nos fins de semana os restaurantes botam mesas nas calçadas, os brunchs vão até as três da tarde com mimosas e cervejas artesanais transbordando de lúpulo fresco”.

Ao chegar, achei que tivesse sido enganado. Fui recebido por cinco graus Celsius, chuva e um vento que vinha direto do Alasca. Por duas semanas, vivi entre árvores secas e canteiros áridos; tristes retângulos de terra de onde brotavam apenas esporádicas bitucas de cigarro. Nesta terça-feira, no entanto, saímos do nosso apartamento e demos de cara com duas dúzias de tulipas amarelas. 

Achei que o zelador tivesse comprado as flores e plantado naquela manhã, na jardineira do prédio, mas bastou andarmos pela rua para perceber que era geral: ou o zelador era o The Flash, capaz de cuidar de todos os canteiros de Manhattan antes do meio-dia, ou havíamos realmente chegado à primavera. Desde então, as pessoas correm e pedalam na beira do rio, os brunchs vão até as três da tarde, o aroma do lúpulo nos copos de cerveja atravessa o Rio Hudson e chega até Nova Jersey.

Não sei se estou mais impressionado com os efeitos da primavera ou com essa experiência raríssima na vida de um brasileiro: a mudança de estação.

Como vocês bem sabem, no Brasil não há estações do ano. Há, no máximo, verão e inverno, mas convenhamos, mesmo eles são conceitos tão frágeis quanto a meritocracia e a proibição do caixa 2. Dá pra ir à praia em julho. Dá pra usar cachecol em janeiro. Dá pra chegar a CEO apenas porque se é parente do dono e a maior empreiteira do país tinha um departamento inteiro só pra “patrocinar” campanhas políticas.

Comparando o rigor das estações do ano, aqui, com a esculhambação meteorológica, aí, fica difícil não cair no mais raso determinismo geográfico. Como se a certeza de que todo ano, depois do inverno, virão o sol e as flores incutisse nas pessoas uma espécie de senso natural de justiça, enquanto entre nós uma semana fria em janeiro e um dia de calor em julho reforçassem a tese de que no nosso país nada funciona: se nem o calendário respeita as regras, por que nós haveríamos de respeitá-las?

Expus minha hipótese a um americano e ele disse que aceitaria de bom grado mais bagunça se pudesse se livrar dos quatro meses de inverno. “Felizes são vocês, que têm 12 meses de primavera”. Pensei em explicar que, há uns anos, a sensação térmica está mais pra outono, mas não queria emburacar no pessimismo. Apenas sorri, concordei e, à beira do rio, entre orquídeas e tulipas, pedimos mais dois copos desta bela filha da primavera, a cerveja, a flor engarrafada.

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