quarta-feira, 19 de abril de 2017



19 de abril de 2017 | N° 18823 
DAVID COIMBRA
Ratinho e o desmame dos bezerros

Assisti a uma entrevista do Ratinho em que ele conta por que vendeu todas as suas fazendas de criação de gado. Ele tem várias fazendas, mais de 10, mas agora só trabalha com agricultura.

Isso porque, certa vez, o Ratinho foi passar três dias em uma de suas fazendas dedicadas à pecuária e era a época do chamado “aparte”, quando os bezerros recém-nascidos são afastados de suas mães. Os criadores fazem o aparte porque os bezerros exigem demais das vacas no período de amamentação.

Na entrevista, Ratinho contou que 10 mil bezerros foram desmamados durante sua estada na fazenda. O resultado foi que, por três dias e três noites, ele ficou ouvindo o choro das vacas e dos bezerrinhos, desesperados com a separação. Aquilo o traumatizou de tal forma, que, ao voltar para São Paulo, chamou o administrador das fazendas e mandou:

– Vende tudo. Nunca mais separo um filho de uma mãe.

Esse relato, que, me parece, já tem mais de ano, me impressionou. Liguei para o Tio Niba, que cria gado em Rosário do Sul, e perguntei se é assim mesmo que acontece. O Tio Niba confirmou: os bichos choram por dias, depois do desmame, num espetáculo melancólico.

– A Noquinha não gosta – acrescentou, referindo-se à sua mulher, a Tia Noca, famosa por seu brigadeirão e seus sentimentos maternais. E completou: – Mas eles acabam se acostumando. Triste mesmo é a castração. Aí, sim, me dá muita pena.

Suspirei. Havia me esquecido da castração.

Nós temos realmente de fazer essas coisas com os bichos?

Nunca fui de maltratar os animais, nem os meus amigos. Havia histórias de guris que torturavam gatos e chutavam cachorros, mas entre nós isso não acontecia, a não ser por algum acidente.

Por exemplo: nós andávamos “armados” com fundas. Eu adorava fazer funda. Escolhia uma boa forquilha, separava-a do galho da árvore e depois a desbastava com uma faquinha. Em seguida, conseguia uma borracha para o estilingue e pedia um pedaço de couro mole para o meu avô, que era sapateiro. 

Atava tudo muito bem e a funda ficava pronta, uma beleza. Então, pegava uma garrafa vazia de Clorofina, cortava a tampa com uma tesoura e a amarrava à cintura. Enchia a garrafa de bolinhas de cinamomo, que me serviriam de munição. Assim nós zanzávamos por todo o bairro, nos sentindo poderosos.

Mas deu-se que, uma vez, o Fio furou o olho de um cavalo com um fundaço. Foi o assunto da turma durante vários dias, todos nós horrorizados. O Fio desapareceu da zona. Passaram-se semanas sem que ninguém tivesse notícia dele. Voltou jurando que tinha sido sem querer, mas algumas testemunhas asseguravam que fora por pura maldade.

Não sei, só sei que houve escândalo entre os guris, com aquele caso. Ou seja: nós sempre sentimos compaixão pelos bichos. E agora, eu, que gosto dos animais, mas que gosto também de um bife dourado e suculento, de quatro dedos de altura, descubro que o desmame é a tal ponto cruel, que abalou até o Ratinho, aquele coração de granito. 

O que farei com essa informação? Vegetariano não posso me tornar, preciso de proteínas. Como fazer para que os bezerros sofram menos com o aparte de suas mães vacas? Quantos dramas há neste mundo, meu Deus.

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