07 de abril de 2017 | N° 18813
CLÁUDIA LAITANO
Mea-culpa
Em 1991, fazia muito sucesso no Brasil uma música gravada por um casalzinho de irmãos recém lançado na vida artística pelo pai famoso. Sandy, oito anos, e Junior, sete, divertiam o público interpretando, em dueto, o malicioso diálogo de Maria Chiquinha com o namorado Genaro. “Que cocê foi fazer no mato, Maria Chiquinha? Eu precisava cortar lenha, Genaro, meu bem.” Nas estrofes seguintes, Genaro pressiona, Chiquinha se esquiva – e a coisa não acaba bem: “Então eu vou te cortar a cabeça, Maria Chiquinha / Que cocê vai fazer com o resto, Genaro, meu bem? / O resto? Pode deixar que eu aproveito”.
É possível que você já tivesse esquecido, como eu, do desfecho trágico da história, apesar da onipresença do número musical nos programas de auditório da TV brasileira no início dos anos 90. Isso porque nada daquilo, que eu me lembre, parecia excepcional ou inapropriado – nem o fato de duas crianças cantarem uma música com alusões a sexo e adultério, nem o brutal desenlace do dueto com ameaça de morte e sugestão de necrofilia.
Parece um tempinho de nada, mas 25 anos foram suficientes para transformar Maria Chiquinha em uma pequena aberração. Costumes saem de moda quase tão rapidamente quanto os penteados, embora de forma menos óbvia. Há sempre uma geração pressionando a anterior para abrir espaço para novos hábitos, novas ideias, novas sensibilidades – e isso não é uma invenção da nossa época, embora a aceleração cotidiana trazida pela tecnologia nos dê a sensação de que as mudanças nunca foram tão rápidas, e o terreno onde repousamos nossas convicções nunca tenha sido tão instável.
Algumas pessoas têm mais facilidade para, ao longo da vida, refazer os cálculos e corrigir a própria rota de forma a aproximá-la do “espírito da época”. Outras preferem se apegar ao que é conhecido – por princípios, comodismo ou simplesmente pela incapacidade de perceber os sinais mais evidentes de que as coisas já não são mais como eram.
Tenha sido escrito pelo próprio ator ou redigido por uma equipe especializada em gestão de crises, o mea-culpa de José Mayer, lançado com o objetivo de amenizar o estrago causado a sua imagem pela denúncia de assédio sexual, chama a atenção, entre outros motivos, por mencionar o componente geracional de certo tipo de comportamento.
O ator dirige-se diretamente àqueles que consideram a persona do garanhão indomável que ele consolidou nas novelas tão divertida e inofensiva quanto os cigarrinhos de chocolate ou a degola musical da Maria Chiquinha. “Espero que este meu reconhecimento público sirva para alertar a tantas pessoas da mesma geração que eu, aos que pensavam da mesma forma que eu, aos que agiam da mesma forma que eu, que os leve a refletir e os incentive também a mudar.”
E eu acrescentaria: que o alerta seja ouvido por homens de todas as idades – e que a defesa do respeito e da civilidade não seja uma causa das mulheres, mas de todas as pessoas de bom senso.
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