quinta-feira, 6 de abril de 2017



06 de abril de 2017 | N° 18812
O PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno

Do peru

RESPOSTA SOBRE A ORIGEM da expressão é mais simples (e mais rasteira) do que imaginam alguns

É relativamente fácil a tarefa de investigar a formação, o significado e o emprego de uma palavra dentro da história do idioma. Desde a primeira vez em que foi usada por escrito, sua trajetória pode ser reconstituída nos dicionários etimológicos e nos vários córpus que a internet põe a nosso alcance. Com expressões populares, no entanto, não temos a mesma precisão, pois na sua formação intervêm muitos outros fatores imponderáveis.

Como o exemplo é sempre mais claro que a explicação, vamos examinar duas consultas sobre o mesmo tema. A primeira veio de Recife, do leitor Ubirajara T., que se dirige a mim num tom que não me permite decidir se é elogio sincero ou ironia deslavada: “Ilustríssimo Mestre! Considerando que o senhor é um daqueles que sabem tudo sobre tudo, gostaria que me explicasse duas coisas: por que as orelhas às vezes ficam vermelhas do nada? E o que isso quer dizer? Quando é a direita que esquenta, alguém está falando bem ou mal da gente?”.

Ora, caro Ubirajara, só um bom médico pode te explicar a razão das orelhas esquentarem; quanto à interpretação do fato, bem, aí depende. O povo, na sua alegre ignorância, costuma atribuir significados para essas manifestações do corpo (orelha quente, comichão na mão, no pé, etc.), interpretando-as como avisos premonitórios; o problema é que essas interpretações variam de acordo com as épocas e os lugares.

Na minha infância, na minha cidade, na minha família, esta era a tabela: orelha esquerda quente, alguém estava falando bem de mim; orelha direita, estava falando mal (nunca ouvi uma interpretação para as duas orelhas quentes...). Comichão na mão direita, dinheiro que está a caminho; na esquerda, aviso de despesa iminente. Comichão na sola do pé, viagem próxima – e assim por diante. O problema é que outros diziam exatamente o inverso: orelha direita quente, elogio; orelha esquerda, maledicência. Dizem que os chineses dão ao espirro esse significado que damos para o rubor nas orelhas, e por aí vai a valsa. Expressões e crendices populares, como vemos, não permitem jamais uma pesquisa segura; tudo fica na base do “dizem”, “acho”, etc.

A segunda consulta é sobre a origem da expressão “É do peru!”. O leitor Carlos V., de Porto Alegre, ficou desconfiado quando viu um desses especialistas de caracacá apontar duas origens diferentes para o surgimento desta expressão: “Ele afirma que a primeira se deve ao espanto dos colonizadores com a civilização inca, levando os europeus usar do Peru para dizer que algo era espetacular. 

A outra teria relação com o animal peru, que exibe comportamento extravagante e chamativo; daí compararmos com um peru as pessoas exibicionistas ou envolvidas em situações ridículas”. Credo! Que viagem! Se a expressão data, segundo ele, do período colonial, por que não aparece em nenhum texto espanhol escrito entre o séc. 16 e o 19? E em que parte do mundo o pobre do peru exibe comportamento extravagante e chamativo? Em Hollywood? 

Mas por que ir tão longe, quando a resposta é bem mais simples (e mais rasteira)? Como é que ele não levou em conta – espero que não haja crianças na sala – que peru é um dos nomes populares para o membro masculino e que, portanto, do peru faz parte de uma lista maior de expressões chulas, de sentido e emprego equivalentes, como do cacete, da p*rra, do c*r*lho? No afã de encontrar uma explicação engenhosa, o autor terminou produzindo uma peça delirante de pura imaginação.

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