27 de abril de 2017 | N° 18830
CARLOS GERBASE
MUSEUS DE GRITOS E SUSSURROS
Os gritos mais assustadores que ecoam na grande crise brasileira são os que pedem a “volta dos militares”, o que implica pedir a volta da ditadura. Ou alguém pensa na candidatura de um militar da ativa nas próximas eleições? Não tenho a menor dúvida de que existem generais democráticos e com espírito patriótico, mas duvido que algum deles vá fazer política nesse cenário conturbado.
Vou ignorar quem grita pela ditadura com plena consciência do que aconteceu no Brasil entre 1964 e 1988. Esses não têm remédio, embora a loucura, em especial dos poderosos, deva ser sempre bem vigiada. Escrevo para os que gritam na perigosa corrente da inconsciência histórica, navegando na própria ignorância.
Em Lisboa, no prédio que abrigou uma das prisões do regime salazarista, funciona o Museu do Aljube (do árabe “poço sem água”). Portugal enfrentou 48 longos anos de ditadura (1926 a 1974) que só terminou com a Revolução dos Cravos. O que aconteceu nesses anos todos pode ser revisto e relembrado nos três pisos desse museu: celas minúsculas, julgamentos de fachada, sessões de tortura, deportação para as colônias e assassinatos.
Em Santiago do Chile, o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em prédio imponente, cumpre a mesma função, mostrando o que fez Pinochet em seus anos de despotismo absoluto. Quem vai a esses lugares não busca obras de arte, nem alimento para o espírito. Mesmo que busque, encontrará apenas o testemunho de décadas de gritos de dor e sussurros de esperança.
Ouvi dizer que aquele sobrado amarelo na descida da rua Santo Antônio, em Porto Alegre – um centro clandestino de tortura conhecida como Dopinha entre 1964 e 1966 –, poderá ser transformado em sede de um memorial semelhante aos existentes em Lisboa e Santiago. É importante que isso aconteça, e logo.
Há milhões de jovens que querem, de coração, um Brasil melhor, mais honesto, mais justo, mas são levados por espertalhões a acreditar nos benefícios de uma intervenção inconstitucional que elimine a democracia. Eles precisam olhar pelas janelinhas das celas do Aljube ou do Dopinha e perceber que ali poderia estar um parente, um amigo, ou eles mesmos. Precisamos, urgente, de mais museus de gritos e sussurros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário