domingo, 9 de abril de 2017


samuel pessôa
09/04/2017  02h00

Quem pensa que há solução simples para a Previdência não envelheceu

Centrais sindicais e movimentos sociais protestam em SP contra as reformas da Previdência e trabalhista propostas pelo governo Temer

É comum pessoas contratarem empregadas domésticas sem registrar. Frauda-se o INSS.

Há casos no meu entorno de empregadas domésticas que são contratadas informalmente, pois, caso contrário, elas perderiam o direito ao programa Bolsa Família. Ambos, cozinheira e contratante, fraudam duas vezes a seguridade social.

Há o caso da família que manteve uma empregada doméstica toda a vida sem contribuir para a Previdência. No final da vida, o viúvo, em ato reconhecido por todos como de enorme generosidade, casou-se com a empregada. Assim, ao morrer, transferiu a pensão. Remediou-se a fraude ao INSS atuando-se no limite da legalidade e jogou-se a conta para o Tesouro.

Há o caso da filha do servidor público que tem relacionamento estável, constitui família, mas não casou "no papel" para não perder o direito à parte da pensão do pai morto. Novamente, utiliza-se a lei no limite da legalidade. Digamos que é uma espécie de planejamento tributário.

Na modernidade, não há mais estigma em não se casar "no papel"; em ter filhos sem casamento no papel. Todo cálculo racional para transferir a conta ao Tesouro está valendo.

Lembro-me de relatos durante minha juventude de que, na Alemanha, o cidadão comum brigava se via alguém atravessando o sinal fora da faixa de pedestre. Achava exagero. O fato, porém, é que, em alguns países avançados, há forte controle social –na forma da crítica e até da denúncia– contra os que se aproveitam das brechas do sistema para se beneficiar contrariando o espírito da lei.

Entretanto, se o controle social sobre as fraudes ou sobre o emprego das regras no limite da legalidade para favorecer o indivíduo à custa do Tesouro não existe, como é o nosso caso, as regras precisam ser desenhadas considerando esse fato.

Pode-se aposentar no Brasil comprovando 15 anos de contribuição. O sistema foi pensado para as pessoas trabalharem formalmente e contribuírem por 30 ou 40 anos e depois se aposentarem. Algumas pessoas, com maior dificuldade de formalização ou menos organizadas, comprovariam somente 15 anos. Se a maioria começa a operar segundo a lógica do sistema, contribuindo no teto somente por 15 anos, o tempo mínimo de contribuição tem que subir.

No meio rural, é possível se aposentar por idade com cinco anos a menos. Se várias pessoas mudam-se da cidade para o campo quando o momento da aposentadoria se aproxima, com o objetivo de requerer o benefício, as regras precisam mudar: reduzir ou eliminar a diferença de idade e requerer maior tempo de contribuição no campo.

Se é possível requerer o benefício da assistência social (isto é, não contributivo) de um salário mínimo com a mesma idade do benefício contributivo de um salário mínimo, quem contribuirá para receber um salário? É necessário que o benefício assistencial seja menor do que o mínimo e/ou que a idade mínima para requerer o beneficio assistencial seja maior.

A tragédia é que um sistema desenhado dessa forma sempre produzirá um cara decente, que não especulou contra o sistema, que teve azar na vida, mas que acaba com dificuldade de requerer o benefício, pois ficou amarrado às salvaguardas criadas pelo sistema para se defender dos fraudadores ou dos especuladores.

Quem pensa que há solução simples para esse drama não envelheceu o suficiente. 

É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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