sábado, 22 de abril de 2017



22 de abril de 2017 | N° 18826 
LYA LUFT

Erro de pessoa

Quem não erra? Mil vezes na vida erramos, muitas sem sequer nos darmos conta. Falando alto demais, interpretando mal alguém, sendo muito críticos, impacientes, interrompendo alguma fala emocionada, ignorando uma data especial, retrucando com ira em lugar de fraternalmente, e tantas outras coisas. Querendo impor nossas ideias a quem nada tem a ver com elas: um dos erros mais comuns.

Mas há um erro que entristece sobremaneira, o erro de pessoa. Quem parecia amigo nutria ressentimentos e um malquerer que um dia irrompe. Diante de palavras duras, injustas e madrastas, corremos para o chuveiro, para simbolicamente tirar esses miasmas do corpo – mas na verdade é do coração que os queremos alijar. Porque palavras assim, pessoas assim, nos fazem mal. Muito mal. E não precisamos de mais mal do que esse que já arreganha os dentes nos noticiosos aqui e pelo mundo.

Muitas amizades, muitos afetos, até familiares, se mancharam, enferrujaram e desfizeram no vento pernicioso das diferenças políticas, ideológicas, nestes tempos (futebolísticas já acontecem há muito tempo). Não entendo como se pode misturar afeto, partilhamento de anos e anos, com diferenças de ideologia. Quem somos nós para querer impor aos outros nossas ideias? Que feia arrogância, que desagradável senso de superioridade, que frustrações nos levam a agir assim?

Tenho amizades de alguns anos, outras de várias décadas, e as cultivo caprichosamente porque são importantes para mim. Mas agora, com certa frequência, alguém comenta comigo, meio espantado, que estão se desfazendo amizades por alguém ser de esquerda ou de direita, conceitos já bastante diluídos. Depois do primeiro choque, ficamos pensando, então ele, ou ela, era assim, é assim? E eu nunca percebi? Em vez de um amigo, eu tinha ali um crítico, mas silencioso, mas feroz?

Pois a vida também se faz de coisas assim. O fora do namoradinho da adolescência doeu, mas outros amores, melhores e mais belos, viriam. O fim áspero de uma velha amizade ou relação familiar não se cura facilmente, nem com aquela necessária raiva inicial que muitos aconselham quando uma relação termina: “Pense nessa pessoa com alguma raiva, ao menos no começo, ou essa separação não funciona”. Não sei se o conselho é eficaz, pode parecer cínico, sarcástico, pessimista – ou simplesmente prático e até bem-humorado... para quem está olhando de fora. Além disso, já temos receitas demais para amar, separar, transar, ser uma celebridade. E, se eu cometo erros de pessoa, como não cometer erros, por exemplo, na hora de fazer tantas escolhas decisivas na minha vida?

Por falar em bom humor, que, segundo meu amado compadre Erico Verissimo, muitas vezes nos salva, ele também tem andado escasso nestes tempos em que o bolso se esvazia de recursos e a cabeça se enche de preocupação. Muita gente raivosa, grosseira, hostil mesmo sem motivo, dando trombada de carro, passando à frente dos outros onde não seria possível, pessoas se empurrando na calçada, dando cotovelada na fila, olhando de cara ameaçadora por qualquer bobagem ou por coisa nenhuma, atendendo o telefone quase num latido.

Bom repensar um pouco as nossas atitudes, para não sermos um erro de pessoa para alguém de quem a gente até gostava.

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