sexta-feira, 7 de abril de 2017


Jaime Cimenti

Maria do Socorro, candidata a deputada 

Maria do Socorro é professora aposentada de uma escola pública. Filhos criados, vida arrumada, tinha tudo para seguir normalmente sua trajetória e aproveitar com o marido e a família a vida de jubilada, dentro de suas modestas possibilidades. 

Na juventude, ela participou de política estudantil e, depois de adulta, sempre esteve atenta aos problemas de sua categoria profissional e sempre procurou atuar junto à administração pública, aos órgãos de classe e aos meios de comunicação. Sentia-se cansada, desiludida e tentou esquecer dos problemas e viver sua vida. Não conseguiu. O marido disse para ela parar de reclamar tanto e, quem sabe, se candidatar a algum cargo político, para tentar construir um novo Brasil. 

Na verdade ela já pensava nisso, mas a coisa ficava na conversa, na teoria e esbarrava na dura realidade e nas impossibilidades. Há umas semanas, Maria do Socorro decidiu candidatar-se a deputada estadual. Ela imaginou que muitos brasileiros como ela estão pensando em votar apenas em candidatos não detentores de cargos eletivos e, como conhece muitas pessoas e está disposta a lutar, pensou que poderia ser a candidata dos insatisfeitos com os políticos e com a política que estão aí. 

Maria sabe que sem muito dinheiro e apoiadores, sem ter feito trabalho comunitário e sem fama e popularidade decorrentes de atuação no serviço público, no esporte e nos meios de comunicação ou artísticos, é praticamente impossível se eleger a alguma coisa neste país. Ela sabe, mas quer contrariar os fatos e acredita que é possível, com o corpo a corpo e as redes sociais, chegar lá. Ela sempre ensinou seus alunos a se dedicarem e a se focarem ao máximo nas suas metas, estudos e obrigações. Sempre disse que buscassem soluções e caminhos novos e que não deixassem de acreditar nos seus sonhos. Sempre ensinou-os a serem diferentes, a viverem com criatividade e intensidade. 

Agora está pregando, mais uma vez, tudo isso a si mesma e quer colocar seus sonhos, mesmo os mais quixotescos, em prática. Alguns familiares e amigos dizem que ela está sonhando acordada e delirando, outras pessoas sentiram o tamanho de sua decisão e vontade e até prometem ajudar, mesmo sabendo das dificuldades e da provável derrota na empreitada. Maria do Socorro sabe que dezenas de milhares de pessoas vão se candidatar, no Brasil, nas próximas eleições e que, como de costume, pouquíssimos vão conseguir extrair das urnas os diplomas de eleitos. 

Mas ela mantém seu sonho, sua decisão, e nada a deterá, mesmo sendo brasileira, mulher, professora e dona de pouquíssimas posses. Ela não quer deixar de sonhar o sonho impossível e pensa que muitos estarão com ela, na tentativa de renovar a velha política. Seu esposo já percebeu que é melhor não contrariar a candidata e que não adianta argumentar que ela vai fazer apenas um ou dois mil votos e que depois os companheiros de partido não vão lhe oferecer nada pelo esforço. a propósito... 

O esposo de Maria do Socorro e ela própria sabem que, no fundo, estão apenas participando de uma tentativa de mudar o que está aí e de motivar as pessoas a renovar. Sabem que isso não é pouco. Pensam, quem sabe, que caia um raio dourado e apareça um arco-íris quádruplo e que Maria saia vitoriosa das urnas. No Brasil até o passado é imprevisível e tudo pode acontecer. Por que não Maria do Socorro deputada, botando os caciques vitalícios a pendurarem suas velhas e espertas chuteiras? 

Quem sabe um marqueteiro genial consiga fazer com que a candidata básica, Maria do Socorro, receba alguns milhares de votos dos eleitores básicos, mostrando que ela é a cara, a cabeça e o coração deles. O novo sempre vem. Quem sabe a velha/nova novidade seja a deputada Maria do Socorro, que anda sonhando alto e querendo mudanças, como milhões aí.  

Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/04/colunas/livros/555588-amor-crime-punicao-e-perdao.html)

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