20 de abril de 2017 | N° 18824
DAVID COIMBRA
Os bondes de Porto Alegre
Os bondes foram aposentados no começo dos anos 1970 em Porto Alegre. Foi um erro, mais um dos tantos cometidos na cidade. Tivesse Porto Alegre um sistema de bondes, obviamente aperfeiçoado com o tempo, e ninguém nem se lembraria de falar em metrô. Não precisaria.
Não sei o que foi feito de todos os vagões que circulavam pela cidade, com exceção de um: o que foi plantado no pátio do meu colégio, o Costinha, na Zona Norte profunda.
Costinha é o apelido para Presidente Artur da Costa e Silva, o general-ditador que instituiu o AI-5, em dezembro 1968. Não deixa de ser uma vingança da posteridade. Imagine um general grave, de carranca e óculos escuros, como Costa e Silva, sendo chamado de “Costinha”.
Mas o que interessa é que aquele bonde foi pintado, reformado e incrustado nos fundos da escola, onde virou uma espécie de sala especial.
Foi lá que tive minhas aulas de gaita de boca.
Conto isso por causa daquele jogo de verdades e mentiras que propus no começo da semana. Arrolei 20 fatos a respeito de mim mesmo, três deles falsos. Os leitores andavam me cobrando: “E aí, não vai dizer quais são as mentiras?”
Pois digo.
Mas, antes, é preciso fazer um arrazoado. Porque, sim, tive aulas de gaita de boca, só que não aprendi nada. O professor elogiava o meu ouvido e até concordo, imodestamente. Tenho, sim, ouvido. Sou aqui um cara afinado. Mas resisti às aulas de gaitinha, e sabe por quê? Porque era forçado a assistir. Eis um defeito que sempre tive: se sou forçado a fazer algo, faço de má vontade. Se você me pedir algo, terá de graça; mande, e reajo. Atitude meio infantil, bem sei, e que me prejudicou em alguns aspectos. Um deles, o de jamais ter aprendido a tocar um instrumento. Todo mundo sabe que quem toca um instrumento se dá melhor na vida.
Então, quando disse que toco gaita de boca, falseei.
A segunda inverdade foi quando contei que era chamado de “O John Travolta do IAPI” nos tempos do filme Embalos de Sábado à Noite.
Aquela era a época das chamadas Discoteques. Todo mundo queria dançar como o John Travolta. As mulheres, como Olívia Newton-John. Um amigo meu, o Sérgio Job, dançava epilepticamente, revolvendo-se até o chão. Talvez hoje você achasse a apresentação dele ridícula, mas, naquele tempo, todos nós vibrávamos vendo o Serginho rebolar.
– Dança muito! – dizíamos, admirados.
Uma vez, começou a rolar um Bee Gees no Gondoleiros e o Serginho correu para “tirar” uma guria que estava à beira da pista. Lá se foram os dois, e nós ficamos olhando, para vê-lo arrasar. E não é que a guria dançava que nem uma enguia com coceira, serpenteando toda, como se não tivesse ossos? O Serginho parecia um mordomo perto dela. Ficou humilhado e nós passamos dias gozando dele.
Já eu, minha especialidade eram as lentas. Não tinha interesse na dança, tinha interesse no romance. Portanto, jamais fui chamado de “O John Travolta do IAPI”, o que, para mim, é uma tristeza. Meu amigo Diogo Olivier, inclusive, diz que nunca poderei ser acusado de “dançar conforme a música”, porque danço todas, de samba a rock, do mesmo jeito.
Essas são duas das mentiras daquele texto. Houve outra, sobre torcer para Grêmio ou Inter, mas quem se importa com isso? Dançar e tocar são muito mais relevantes do que torcer.
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