sábado, 8 de abril de 2017


08 de abril de 2017 | N° 18814 
NÍLSON SOUZA

O país do depois de amanhã

Que o Brasil é o país do amanhã já sabemos desde que a primeira caravela portuguesa aportou por estas bandas. Mas, a cada dia que passa, se percebe que esta sempre foi uma visão otimista demais. Somos, isto sim, o país do depois de amanhã, do talvez na semana que vem, do passe outro dia, do me liga uma hora dessas, do empurra com a barriga e do santo padroeiro que inventamos para justificar todas as procrastinações: São Nunca.

Sabe quando o Tribunal Superior Eleitoral vai julgar a cassação da chapa Dilma-Temer? Pode ir acendendo uma vela pro santinho aí de cima. O próprio ministro relator do processo, Herman Benjamin, depois de lembrar que as eleições de 2014 serão as mais longas da história do país, acabou concordando em dar novos prazos para petistas e peemedebistas, e desabafou:

– Não podemos ouvir Adão e Eva para que se intime a serpente.

A frase de efeito certamente provocou brilho nos olhos dos advogados de defesa. Não se duvide de que os três personagens bíblicos acabem sendo arrolados como testemunhas. Se Adão e Eva não forem encontrados, serpentes não nos faltarão.

Procrastinar é um verbinho pra lá de esquisito, meio trava-língua, com inflação de erres, mas está no cotidiano dos tribunais. Significa deixar para depois, transferir para outro dia, adiar para as calendas gregas, que, como se sabe, não existiam, eram apenas uma ironia dos romanos que não tiveram imaginação para criar o seu São Nunca.

Pois é nessa data incerta que resolveremos os problemas do país. A crise vai passar, já tá passando, mas o desemprego aumenta, as placas de “vende-se” proliferam nas cidades brasileiras, o PIB cai todos os meses, o fundo do poço já deve estar chegando ao Japão.

Até a Lava-Jato, que parecia um fenômeno de celeridade, com condenações rápidas e encarceramentos sumários de corruptos e corruptores, de repente começou a soltar delatores e delatados. Basta o sujeito contar uma historinha e já sai lépido e faceiro com a sua tornozeleira eletrônica. Faz lembrar As Mil e Uma Noites: Sherazade vai enrolando o rei da Pérsia e adiando a própria execução.

O Brasil segue esperando Janot, como os personagens de Samuel Beckett esperavam o inexistente Godot. Nossa realidade política é um verdadeiro teatro do absurdo. Agora, até o senador Renan Calheiros virou oposicionista e, ao mesmo tempo, comentarista de futebol. Disse que o governo Temer parece a Seleção de Dunga e que nós precisamos é da seleção de Tite. Como é fácil ser profeta do acontecido! Quando perguntado sobre quem seria o seu Tite, desconversou. Sabe-se lá o que estará elucubrando. Boa coisa não deve ser.

O Congresso é uma embromação só, toda semana tem votação adiada para a próxima ou para depois do apocalipse – que não chega nunca. As anunciadas reformas estruturais, o projeto de recuperação fiscal dos Estados, a reforma política, a reforma dos políticos – nada avança.

Nosso lema de país do depois de amanhã poderia ser esta citação anônima que anotei tempos atrás pensando que jamais usaria: “Não há dia melhor do que hoje para deixar para amanhã o que você não vai fazer nunca!”

Pois não é que esse amanhã chegou!

David Coimbra está em férias. Neste período, irão substituí-lo Marcos Piangers, Fabrício Carpinejar, Nílson Souza e Cláudia Laitano.

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