quinta-feira, 13 de abril de 2017


13 de abril de 2017 | N° 18818
SERVIÇO PÚBLICO


Como o IPE-Saúde foi lesado em R$ 3 milhões por uma fraude

LABORATÓRIO DE SOLEDADE, no Norte, é suspeito de forjar mais de 17,6 mil exames em cinco anos

Fragilizado financeiramente há anos, o IPE-Saúde – plano de assistência médica dos servidores públicos estaduais e seus dependentes – é vítima de uma fraude milionária praticada por instituições médicas. Em Soledade, distante 220 quilômetros de Porto Alegre, o laboratório Esplanada é suspeito de ter forjado a realização de 17.666 exames entre 2012 e 2017.

Os procedimentos não foram efetuados, mas a conta fictícia chegou ao instituto, que fez desembolsos de cerca de R$ 3 milhões em favor do laboratório para quitar serviços jamais prestados. Ontem, o credenciamento do estabelecimento foi suspenso e a instituição está impossibilitada de prestar novos serviços e receber pagamentos do IPE. 

O suposto golpe foi alvo da Operação Examinação, deflagrada pelo Ministério Público (MP) na manhã de ontem. Foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão em três cidades: Soledade, alvo principal da ofensiva, Palmeira das Missões e Ibirapuitã e sete pessoas estariam envolvidas no esquema criminoso. Ninguém foi preso.

– A fraude era feita confiando na falta de fiscalização – afirma o promotor João Afonso Beltrame, coordenador do Gaeco-Saúde do MP.

Os beneficiários do IPE-Saúde não sabiam da fraude, mas os seus nomes eram usados pelos suspeitos de Soledade. O dono do laboratório, cujo nome não foi divulgado, seria o chefe do esquema local. Pelo menos três pessoas indevidamente usadas para o registro e cobrança por exames jamais feitos ingressaram na Justiça com ação por dano moral contra o laboratório.

Os beneficiários não tinham custos extras gerados para si – eles lesavam apenas o IPE –, mas seus nomes e senhas eram usados para consumar os golpes. É possível afirmar que essa investida do MP configura a primeira de uma operação que terá outros capítulos. A exemplo das sucessivas ações contra o leite adulterado, novas operações contra clínicas que lesaram o IPE, dentro do mesmo esquema operacional, devem ser desveladas.

– Faremos um trabalho contínuo com casos coletados em outras cidades – explica o promotor.

PLANO TEVE DÉFICIT EM 2015 DE R$ 107 MILHÕES

Em uma cidade cujo nome é mantido em sigilo, os investigadores apuram a ação de laboratório que teria fraudado cerca de 117 mil exames junto ao IPE. O montante é superior ao caso de Soledade em quase 100 mil requisições forjadas. Situações que ajudam a entender alguns dos motivos que levaram o IPE à beira da bancarrota. Somente 2015, o Fundo de Assistência à Saúde, que custeia todas operações médicas e hospitalares do IPE, registrou déficit de R$ 107,3 milhões, originado pelo pagamento de despesas de anos anteriores que estavam em atraso.

– Fraudes em entes públicos auxiliam para que eles não tenham recursos suficientes para prestar um serviço adequado – conclui o promotor.

carlos.rollsing@zerohora.com.br

CONTRAPONTO

A reportagem tentou contato durante o dia com o laboratório, deixou recado, enviou e-mail, mas não teve retorno. Segundo o MP, o local não havia apresentado advogado.

A FRAUDE

-As investigações do Ministério Público tiveram início em dezembro de 2016.

-Na ocasião, dirigentes do IPE-Saúde procuraram o MP para informar sobre inconsistências encontradas na prestação de serviços de um laboratório de Soledade, município com cerca de 31 mil habitantes.

-Antes, uma denúncia havia chegado à ouvidoria do IPE. A partir disso, foram descobertos casos como o de uma paciente que teve 1.247 exames registrados em cerca de um ano no laboratório de Soledade. Seriam mais de cem por mês – mais de três por dia.

-No mesmo estabelecimento, houve caso de uma mulher com 827 procedimentos anotados em seu cartão em menos de 12 meses. E ainda foi desvelado um episódio de suposto paciente que teria feito exames preparatórios para sete transplantes diferentes - o que é incomum e custa caro.

-Os investigadores ainda revelaram que, até o momento, os indicativos são de que o laboratório Esplanada era o único autor e beneficiado das fraudes.

O ESQUEMA

-A fraude ocorreria da seguinte forma: até a descoberta do golpe, o cartão do usuário do plano de saúde do IPE com tarja magnética não era obrigatório na hora do atendimento. Para simplificar, os atendentes solicitavam apenas senhas de acesso dos beneficiários.

-Uma vez de posse da senha, os laboratórios passavam a inserir no sistema nas semanas seguintes centenas de exames fantasmas, fazendo uso não autorizado das senhas obtidas e sem requisição médica. Todos esses procedimentos fraudulentos eram pagos pelo IPE.

-Após a descoberta, o instituto editou, já em 2017, uma norma que obriga o beneficiário a apresentar o cartão com tarja magnética para a realização de exames. A senha apenas não é mais suficiente. Com isso, o MP acredita que o órgão estadual conseguiu estancar a sangria.

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