sábado, 5 de março de 2011



05 de março de 2011 | N° 16630
PAULO SANT’ANA | ALEXANDRE BACH (Interino)


Do nosso mundo

Lembro que boa parte da minha infância foi tomada por um temor: o de não estarmos sós no mundo. Foi a época da corrida espacial seduzir o planeta, russos de um lado, americanos do outro, e a Nasa domando os céus com os primeiros ônibus espaciais. Haveria vida em outro planeta? Haveria outros povos mais avançados, nos observando do espaço, esse pedaço de terra formado essencialmente por água dos oceanos? Nós estamos sós?

Evidentemente que nunca perdi o sono por essas questões, mas elas serviram de combustível para muitas discussões acaloradas, que iam e vinham ao sabor das novidades. Um satélite inglês captou um sinal estranho, um australiano fotografou um objeto não muito nítido pairando sobre um deserto, uma tribo africana ouviu sons noturnos que nasciam dos céus e eram muito diferentes dos sons animalescos das savanas. E assim a gente ia vivendo, com qualquer detalhe servindo de lenha para o fogo do debate.

Hoje, vejo que meus temores de estar sendo observado faziam sentido. Prova disso é o que ocorreu com o estilista John Galliano, que comandava todo o glamour da Dior. Bêbado, Galliano atacou um casal de judeus com um monte de bobagens, no café La Perle, em Paris. Na polícia, na hora de esclarecer o quiproquó, ficaria a palavra de um contra a do outro, não fosse o fato de alguém ter gravado a cena e ela ter ganho o mundo via internet. Galliano perdeu a boquinha na maison.

Outra prova: o ocorrido com o bancário Ricardo Neis. Ele poderia ter mil justificativas para explicar por que acelerou o carro contra um grupo de ciclistas, mas as imagens mostrando jovens e adultos voando para o alto e caindo feito pinos de boliche enquanto Ricardo cortava a multidão com o seu carro igualmente correram o mundo e falaram mais alto. Difícil acreditar na defesa dele.

Do interior da Espanha, no mesmo dia que as imagens chegaram aos quatro cantos do planeta, ligou o irmão de uma amiga minha. Como ela é ciclista praticante, o irmão calculou que ela poderia estar em meio àquela multidão de agredidos. Felizmente, não estava.

Galliano, Neis e os governos hipócritas desmascarados pelo Wikileaks (também não podemos esquecer dessa memorável ação do Julian Assange) estão acompanhados por Kadafi em suas desgraças. Há cerca de dois meses, um estudante se imolou na Tunísia, desesperado por ser vítima de uma ação policial.

As imagens também correram o mundo pela internet e formaram uma rede não virtual, mas de carne e osso, que tomou conta das ruas. Dias depois, o presidente Ben Ali, no poder há 23 anos, não resistiu à pressão do povo e caiu. A moda pegou. Na sequência, tal qual a brincadeira dos dominós em pé, caiu Mubarak, há 30 anos no comando do Egito. Kadafi, há mais de 40 anos na frente do poder na Líbia, é a peça da vez.

Definitivamente, não estamos sós.

Só que o espião não é um ser de outro mundo. É do nosso mesmo.

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