sexta-feira, 1 de outubro de 2010



01 de outubro de 2010 | N° 16475
DAVID COIMBRA


A pouca importância da eleição

Não se iluda com o que vai ocorrer agora, neste domingo. Uma eleição não é importante. Numa democracia consolidada, menos do que isso: é quase irrelevante. Numa democracia consolidada, o Estado funciona a despeito de quem manda no governo.

O comportamento comezinho do cidadão, a forma como ele trata seus filhos e sua mulher, como se relaciona com seus amigos, se sorri para o balconista da rodoviária, se cumprimenta com polidez a atendente da padaria, se não se irrita com a irritação do cobrador de ônibus, a atitude das pessoas no dia a dia é muito mais relevante do que o seu voto.

Os valores aplicados na rotina chã é que constroem um país. São esses valores que alicerçam as instituições, não a escolha do parlamento.

A principal qualidade do brasileiro, o predicado que o diferencia de todos os outros povos do mundo, essa característica desenvolveu-se antes de o primeiro eleitor depositar o seu primeiro voto na primeiríssima urna. No livro recente de Laurentino Gomes sobre a Independência, 1822, o autor reproduz parte de um relatório que o governador do Piauí, João Pereira Caldas, enviou à coroa portuguesa em 1776 acerca do povo do Estado que administrava:

O meu conceito sobre o préstimo dos homens desta capitania é bem restrito. Neste sertão, por costume antiquíssimo, a mesma estimação têm brancos, mulatos e pretos e todos, uns e outros, se tratam com recíproca igualdade, sendo rara a pessoa que se separa deste ridículo sistema.

O que o governador tomava por abjeto era o que havia de melhor no lugar: a tolerância.

Quer dizer: a tolerância embalava os brasileiros já nos tempos da colônia. Com tolerância, o Brasil moveu-se à margem dos extremismos internacionais. Ou entre eles, deixando-os nas margens.

No Brasil, os fundamentalismos não são levados a sério, porque, afinal, o povo não se leva muito a sério. Às vezes para o mal, como no caso da nossa aceitação plácida da corrupção. Às vezes para o bem, como o modelo de democracia ao qual chegamos, e que, é certo, não vai mais recuar.

Dia desses, Lula cunhou frases pouco inteligentes sobre liberdade de imprensa. Antes disso, Serra andou irritando-se com jornalistas. Nada mais normal. Qualquer governante, em qualquer país do mundo, em qualquer época, adoraria ginetear a crítica e transformá-la tão só em indústria de elogios.

Mas ninguém, mesmo que queira muito, conseguirá tirar do brasileiro algo que foi construído sem luta, erguido na rotina invencível dos dias iguais: o apreço pela liberdade individual. O voto do brasileiro, não importa que seja bom ou ruim, importa é que o brasileiro vote.

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