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quarta-feira, 7 de outubro de 2009
VINICIUS TORRES FREIRE
A grande inflação de camelos
Austrália dá a largada da alta de juros no G20, indústria emergente cresce e mercado surta com ideia de inflação
NESTE ANO , a notícia mais notável, para não dizer comovente, a respeito da Austrália foi a ameaça de um grande massacre de camelos. Parece haver uma grande inflação do ruminante no interior australiano. Um estimado milhão de camelos come a escassa vegetação do país, e assim disputa recursos com os rebanhos. Cogitou-se, portanto, um massacre organizado desse animal tão simpático, importado pelos australianos no século 19.
Essa era a notícia mais notável até ontem, quando o Banco Central da Austrália elevou a taxa básica de juros do país, contra os prognósticos de 95% dos ditos analistas de mercado. A Austrália foi a economia desenvolvida que menos sofreu com a crise. Como havia cortado os juros para o menor nível em 49 anos, para 3%, o BC deles decidiu que a taxa estava excepcionalmente abaixo do "nível de equilíbrio".
A Austrália tinha, antes da crise, uma das taxas mais altas no mundo rico (7,25%), disputando a liderança com a Nova Zelândia, um dos motivos pelos quais se especulava bastante com a sua moeda. As exportações australianas também dependem muito de recursos naturais, como ferro. Pode-se perguntar, "e daí a Austrália"?
Juros, câmbio e as exportações australianos têm certa semelhança com o do Brasil (desistimos de importar camelos, apesar de uma tentativa no Ceará). Nós e os australianos também dependemos muito do consumo chinês. Mas, mais importante, os juros australianos motivaram ontem muita especulação, baseada num surto de inflacionite.
Para os surtados, a Austrália elevar os juros foi um "sinal" de que a economia mundial entrou nos trilhos, que acabou o risco de deflação, que de uma vez por todas "commodities" é um mercado para se estar e especular.
Mais: que o diferencial de juros entre EUA e resto do mundo aumentará, que é bom vender dólar e comprar ativos de países vendedores de commodities. Também influenciou o surto a notícia de que um índice calculado pelo HSBC apontou que a atividade industrial dos emergentes no terceiro trimestre de 2009 foi a maior desde o segundo trimestre de 2008.
No resumo da ópera, aumentou o desejo de comprar ativos de risco, como ações, e embarcar no trem da "recuperação global", antes que tudo fique caro. Ativos que funcionam como proteção contra a inflação e contra a queda do dólar inflaram: petróleo, ouro, platina, prata, cobre etc. subiram.
O dólar afundou mais, empurrado ainda por uma notícia de que países petrolíferos estariam a combinar o banimento do dólar como moeda das transações de petróleo. Real e outras "commodity currencies" subiram: dólares australianos e canadenses e o real, por exemplo. O dólar só não caiu ante a libra esterlina (entre as moedas relevantes), que tropeça como a economia britânica.
Ressalte-se a palavra "surto". O "fundo do poço" mal chegou para EUA e Europa. Não se sabe o que será do consumo depois que passar o efeito maior dos incentivos fiscais.
Não se sabe qual será o resultado das empresas daqui para o começo de 2010 (muito resultado foi inflado por corte pontual de custo ou por ajuda estatal mesmo). Logo, pouco se sabe sobre a "recuperação global". Mas continua o surto dos mercados, dopados por dinheiro barato.
vinit@uol.com.br
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