sábado, 31 de outubro de 2009



31 de outubro de 2009 | N° 16141
NILSON SOUZA


Sr. Redactor

No dia 25 de setembro de 1827, o Diario de Porto Alegre – primeiro jornal desta província de homens bravos, mulheres bonitas e monumentos públicos horrorosos – publicou em sua capa uma carta de leitor. O autor era um cidadão indignado com as autoridades da época. Sentia-se humilhado por ter sido preso em flagrante depois de ter agredido um “moleque”, como eram chamados os jovens escravos da época.

Ocorre que o cativo pertencia ao juiz, que acionou o alcaide, que colocou o sujeito atrás das grades por oito horas. Bem feito! – poderíamos dizer tranquilamente hoje, 182 anos depois. Mas, naqueles tempos incandescentes, o homem não se conformou e escreveu uma longa carta ao jornal, desafiando-o:

– E que tal, Sr. Redactor! Será digno o caso de se lhe dar publicidade, ou não?

Conseguiu o que queria. Sua denúncia contra o que considerou abuso de autoridade acabou sendo publicada e ganhou perpetuidade, pois está na primeira página de um dos exemplares do acervo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa. Mas o que me chama atenção nesse episódio nem é o fato de o homem se julgar injustiçado porque foi punido por ter dado “huma pequena bofetada num moleque captivo”.

Fico mais espantado com a existência, já naqueles tempos pretéritos, da interatividade jornalística – esta relação de mão dupla entre o público e os meios de comunicação. Ao dar guarida para seu leitor, aquela modesta publicação já cumpria, quase dois séculos atrás, uma das atribuições do jornalismo moderno.

Hoje, o público participa como nunca da produção do conteúdo dos veículos de comunicação. Com a internet, o acesso ficou tão fácil e tão rápido que as pessoas reagem imediatamente a qualquer notícia, opinam sobre ela, dão informações adicionais, contribuem com fotos e vídeos, muitas vezes elaboram integralmente a mensagem que querem ver divulgada. Evidentemente, nem todos os que participam desse processo são bem-intencionados.

Alguns aproveitam a facilidade tecnológica para defender causas nem sempre defensáveis, como o homem que esmurrou o adolescente escravo e achava que estava coberto de razão.

Como agir em casos assim? Cabe ao Sr. Redactor fazer a sua parte, olhando a vida por todos os lados, divulgando ponto e contraponto, priorizando aquilo que for efetivamente de interesse do público. Um fato – seja ele uma ocorrência policial ou a observação de uma obra de arte – pode ter muitas versões. A função do jornalismo é encontrar aquela que mais se aproxima da verdade.

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