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sábado, 24 de outubro de 2009
24 de outubro de 2009 | N° 16134
NILSON SOUZA
A n j o s
Outro dia, a governadora do nosso amado Rio Grande arrancou risinhos irônicos dos seus governados, inclusive deste descrente cronista, ao afirmar que alguns anjos lhe tinham dito para não viajar aos Estados Unidos porque alguém (possivelmente um anjo mau) preparava um golpe no Estado.
Não saiu a viagem, não saiu o golpe e ficou a dúvida: a tucana estaria falando sério quando atribuiu aos chamados seres de luz a autoria do aviso ou estaria nos gozando como na história do pufe verde-kiwi? Para buscar uma resposta, recorri à literatura, consultei gente que já virou anjo e anjos travestidos de gente.
A inspirada Clarice Lispector absolveria a nossa polêmica governante:
– Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam – sentenciou a autora de A Hora da Estrela.
Já o eterno Drummond (“E como ficou chato ser moderno, agora serei eterno”) garante que não foi o seu anjo torto o informante, até mesmo porque, se fosse chamado a palpitar, ele provavelmente repetiria a sua conhecida advertência:
– No meio do caminho tem uma casa, tem uma casa no meio do caminho.
Talvez tenha sido o anjo de Chico Buarque, que também parafraseou o poeta de Itabira numa de suas canções:
– Quando nasci, veio um anjo safado/ O chato dum querubim/ E decretou que eu tava predestinado/ A ser errado assim.
Deve ter sido ele. Pelo menos, a governadora anda repetindo uma de suas estrofes nas entrelinhas de suas enigmáticas declarações:
– Já de saída a minha estrada entortou/ Mas vou até o fim.
Em contraponto, outras mulheres da terra, como a presidente do Cpers e a deputada relatora do frustrado impeachment, parecem preferir o personagem da mineira Adélia Prado:
– Quando nasci, um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira.
Neste Rio Grande de tantas bandeiras antagônicas, talvez fosse bom a gente prestar atenção na mensagem de um de nossos mais ilustres vizinhos, o argentino Jorge Luis Borges:
– Fazer o bem ao teu inimigo pode ser obra de justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.
Me faz lembrar uma conterrânea sua que conheci certa vez em Mar del Plata. Quando lhe pedi desculpas por ter que voltar-lhe as costas durante uma situação de trabalho, ela retrucou com voz doce:
– Los angeles no tienen espalda.
Depois, me presenteou com um pacote de alfajores. Então, olhando para aquela argentina linda e gentil, me ocorreu um pensamento em castelhano:
– Pero que los hay, los hay.
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