terça-feira, 27 de outubro de 2009



27 de outubro de 2009 | N° 16137AlertaVoltar para a edição de hoje
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Um traço de ternura

Encontro por acaso uma dama que não vejo há anos. Ambos sorrimos, conversamos uns momentos, ela conta que continua morando no Exterior, que tem agora duas filhas pequenas – e então há um instante de silêncio em que nos fitamos e nos despedimos como se nos tornássemos a ver amanhã.

Não sei quando a reencontrarei. Mas eu amei essa mulher. Foi um suave romance num mês de outubro e nos separamos sem mágoas nem queixas. Lembro que, à época, eu ia viajar para a Europa e prometi lhe trazer um relógio-cuco e que ela me respondeu que não trouxesse, que detestava a passagem impiedosa do tempo.

Creio que não tivemos uma grande paixão. Mas, como ela era muito bonita, me deixou um pouco de doçura no coração.

Agora não sei quando tornarei a falar com ela.

É esse o grande mistério das relações sentimentais. Enquanto perduram, qualquer separação é inimaginável. O distanciamento é inconcebível e a simples ideia da ausência um do outro parece insuportável.

Mas os ponteiros dos minutos tudo curam, mesmo os romances aparentemente mais indestrutíveis.

Não tenho a mais longínqua ideia de quando reverei minha amiga, ainda mais ela, que vive tão longe.

E no entanto houve uma época em que nos telefonávamos todos os dias, em que trocávamos cartas sedutoras, em que o primeiro pensamento da manhã e o último da noite eram a um e outro dirigidos.

Não sei como é a cidade em que ela mora. Suponho que, por estes dias, com a chegada do outono, o ar se faça frio, as árvores se desnudem, um vento gelado sopre pelas esquinas, caia mansamente a primeira neve. Desconfio que, num entardecer qualquer, ela sinta saudade do Brasil, e até recorde, por um breve momento, pelo espaço de um tênue sorriso, nosso encontro numa esquina.

Mas suspeito que, depois de me endereçar um pensamento de brandura, se esqueça de mim, cuide de suas tarefas na universidade, resista à tentação de me dirigir um e-mail.

Pois a vida é assim mesmo, mais inconstante do que a incerteza do mar.

Uma excelente terça-feira de sol e para quem está de folga, que seja uma folga merecida

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