quarta-feira, 21 de outubro de 2009



21 de outubro de 2009 | N° 16131
DAVID COIMBRA

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Schopenhauer e Salamander

Da próxima vez que brindar com chope vou gritar salamander reiben. Bem alto:

– SALAMANDER REIBEN!!!

Era o que bradavam os estudantes alemães nas sombrias tabernas do começo do século 19. Praticavam uma espécie de ritual. As canecas que empunhavam continham um litro inteiro de chope cremoso, porém não tão gelado naquele triste tempo sem freezer.

Servidos, eles primeiro batiam com as canecas três vezes na mesa de madeira, TÓ, TÓ, TÓ! Em seguida, chocavam-nas umas contra as outras também três vezes, TRAC, TRAC, TRAC! Então, urravam o salamander reiben a plenos pulmões alemães, que são pulmões acostumados a tons graves. E depois tinham de esvaziar o capitoso conteúdo das canecas em três grandes goles, certamente uma façanha da raça ariana.

Os estudantes faziam isso tudo não apenas pelo prazer de beber com os amigos, mas para demonstrar que estavam ali reunidos numa espécie de confraria com objetivos mais elevados. Eles almejavam o que almejam todos os seres humanos de alma nobre desde que um homem mais forte submeteu outros homens mais fracos: liberdade.

Estimulados pela Revolução Francesa e seus novíssimos princípios de igualdade e fraternidade, os jovens alemães ansiavam por abolir o feudalismo retardatário dos principados germânicos. Suas associações não se restringiam às mesas dos bares. Eles fundavam sociedades e confrarias secretas, cantavam hinos republicanos e, curioso, faziam exercícios físicos.

Um ex-soldado que lutou nas Guerras Napoleônicas, um certo Friedrich Jahn, é chamado de “o pai da ginástica” porque conclamava os estudantes a se reunirem em clubes a fim de praticar esportes. A ideia de Jahn era patriótica: os músculos de aço dos jovens alemães os ajudariam a derrotar o invasor francês que os humilhava havia anos. Quer dizer: os estudantes aprovavam as ideias francesas, mas não a presença francesa em seu território. Pretendiam, portanto, bater Napoleão e libertar sua jovem pátria.

Os nobres, porém, não gostaram do ajuntamento de estudantes nacionalistas. Por uma razão óbvia: o nacionalismo lhes despertava anseios de unificação (a Alemanha era dividida em mais de 80 principados), e a unificação inevitavelmente acabaria em república.

O pai da ginástica acabou preso por incitar essas reuniões. Mais tarde, foi expulso de Berlim. Mas aquele sentimento associativo e esportivo se entranhou no espírito germânico, e foi esse espírito que os imigrantes alemães trouxeram para o Sul do Brasil no século 19.

Movidos por tal disposição, os alemães se consagraram como fundadores de clubes esportivos na Capital. Entre tantos, a Sogipa, o Juvenil e o Grêmio. Que depois, de forma indireta, motivou a fundação do Inter.

Ou seja: essa rivalidade de 100 anos, que terá mais um capítulo no domingo, existe por causa do espírito associativo e esportivo dos alemães, que desenvolveram esse espírito por causa da invasão dos exércitos de Napoleão, que só se tornou grande por causa da Revolução Francesa, que espalhou seus ideais de liberdade pela Europa, principalmente entre os estudantes alemães, que se reuniam para falar das novas ideologias nas tabernas, onde iam para beber chope.

Você entendeu?

O Gre-Nal só existe por causa do chope! SALAMANDER REIBEN!

Havia um homem importante na Alemanha d’antanho que não apreciava o Salamander Reiden: Arthur Schopenhauer, o filósofo imortal de quem Freud bebeu para cerzir as teses que redundaram na psicanálise.

Mas não era por ideologia que Schopenhauer não participava dos festivos convescotes estudantis.

É porque ele detestava barulho. Schopenhauer dizia que a inteligência de um homem está diretamente relacionada à sua tolerância ao ruído – quanto maior tolerância, mais burro é o homem. Eu aqui, neste ruidoso século 21, vou dizer: Schopenhauer tinha razão.

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