terça-feira, 27 de outubro de 2009



27 de outubro de 2009 | N° 16137
LUÍS AUGUSTO FISCHER



Sempre agora

Se tudo tiver corrido bem, examente na hora em que o prezado leitor corre os olhos por estas linhas, decifrando as letrinhas e juntando-as, mediante processos sutis que compõem sentido em sua cabeça, eu estou em Passo Fundo, na Jornada de Literatura, promovida pela universidade e pela prefeitura de lá, onde eu devo estar agora, na hora da tua leitura.

O evento é famoso e merece o nome, porque reúne milhares de leitores para ouvir palestras e cursos, como para discutir ideias, bater papo com outros leitores e ver novidades que interessam.

De forma que o leitor e eu, contemporâneos desta conversa por escrito, estamos em tempos diversos. Eu, aqui no passado, fico imaginando como pode ser a reação do leitor, que está no meu futuro, em seu presente; eu, agora que o leitor me lê, estarei fazendo outra coisa, estou mesmo fazendo-a, possivelmente em uma sala de debates na Jornada, se agora é ainda a manhã de terça-feira. É? E se não, quando é? Com o leitor, o que estará acontecendo?

Não se trata de delírio, prezado leitor que estás no meu futuro: estou apenas escutando o eco de uma releitura que fiz ainda esses dias – ontem, no meu calendário, ou semana passada dessa tua terça-feira –, um conto magistral do mestre Jorge Luis Borges. Seu título é O Jardim das Veredas que se Bifurcam; a releitura foi da tradução nova, com edição da Companhia das Letras,

que está refazendo na língua de Machado de Assis a obra do grande escritor – e nem sempre com acerto, é preciso dizer: ao menos em um de seus grandes contos, O Sul, há alguns erros e deslizes de tradução, lamentáveis, ainda mais que a tradução anterior, publicada entre nós pela Globo, era ótima. O volume se chama Ficções.

Lá pelas tantas, no conto do jardim, Yu Tsun, o chinês que era professor de inglês e espião alemão durante a I Guerra Mundial, se dá conta de que vai morrer, porque foi descoberto em sua condição de espia.

Começa a tomar algumas providências (entre as quais estará a de procurar um certo inglês que desvendou o segredo de um antepassado seu, o também chinês Ts’ui Pên, que intentara escrever o romance mais populoso do mundo e inventar o maior labirinto do mundo) e pensa consigo mesmo: “Séculos de séculos e só no presente ocorrem os fatos; inumeráveis homens no ar, na terra e no mar, e tudo que realmente acontece acontece a mim...”

Pois assim é, prezado (escrevi, sem querer, “prazado”, mas corrigi) leitor: só agora, neste exato instante, é que está acontecendo essa tua leitura, de um texto batucado num remoto teclado qwerty, uns dias atrás, quer dizer, agora; somente no presente é que os jardins bifurcados de Borges são refeitos na mente do leitor.

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