sexta-feira, 30 de outubro de 2009



30 de outubro de 2009 | N° 16140
PAULO SANT’ANA


Pablo, personagem da cidade

Sou um rei na minha cidade. Se me queixo, é de barriga cheia. Por onde vou, saltam as pessoas para de alguma forma me homenagear.

Se vou no Gambrinus, tratam de cozinhar um prato especial, fora do cardápio, para me agradar. Ninguém, absolutamente ninguém, além de mim, saboreia a Tainha Frita que o Gambrinus só pra mim prepara.

No Panchos, onde todos se empanturram de parrillas, para mim é servida uma galinha com arroz molhada, úmida, molho parece que só de tomate de tão rubro.

Se vou nos diversos pontos onde servem churrasco de gato, para mim é servido espetinho de filé mignon ornado e entremeado de bacon.

Se vou no Insano, bar da Lima e Silva, a orquestra, composta de instrumentos de corda e de metalurgia, prepara introduções dos sambas mais antológicos para eu cantar nas quintas-feiras.

Se vou na casa do João de Almeida Neto e da Jane, onde me preparam assados divinos ao som de violões uma vez por semana, cerveja uruguaia, Patricia, Pilsen, Norteña, todas as marcas que dão de 10 nas nacionais me são oferecidas. E bebo até a madrugada.

Se passo na Praça Montevidéu, largo da prefeitura, as pombas saltam, palavra de honra, nas minhas omoplatas, algumas fazem cocô no meu cabelo, tão grande é a intimidade das aves com Pablo. Que o digam os pardais da Avenida Mauá, junto ao Muro ou na calçada fronteira. Os pardais da Mauá, pasmem, dançam ciranda no ar para encantar Pablo.

Se simplesmente me planto na Redação, chegam os pacotes contendo ovos-moles do Zélio Hocsman e da Zoia, quando não são arrozes de leite da Loraine Chaves, doces de Pelotas feitos falsariamente e maliciosamente em Rio Grande, não deixando mesmo assim de serem deliciosos.

E se por acaso vou visitar algum colégio, naquele dia podem crer que não há mais aulas, tal o alvoroço que Pablo causa no estabelecimento.

E se vou a algum asilo, os velhinhos e velhinhas se levantam de seus leitos de velhice cansada e ficam saltitando na minha frente como se fossem pimpolhos.

E se vou a algum cinema de shopping, basta passarem alguns minutos na escuridão e dali a pouco os espectadores começam a me abordar, oferecendo-me pipocas e balas de goma. É tanta a alaúza, que outros espectadores começam a vaiar a bagunça que se cria em torno de Pablo na sala de projeção.

E, nos mictórios públicos, insistem, dentro desses recintos sanitários, para que eu dê autógrafos e tire fotografias com todos, antes de fazer pipi, frisam, o que me causa transtornos e não raro molha as minhas calças!

Não sei onde me meter na minha cidade que não seja saudado como um mito, uma lenda viva, um fogo-fátuo, um El Cid do povo de todas as gerações.

Eu sou um rei na minha cidade, em Porto Alegre estou em casa, é a minha família, as pessoas se declaram iguais a mim, embora umas sejam gremistas outras coloradas. Mas quando eu chego ficam todas iguais.

Iguais em desejo de se aproximar de mim, de me tocar, de me ouvir, de se fazerem ouvir, e prometem que me vão mandar livros, fotos, álbuns, jornais, revistas, fazem de tudo para me agradar.

E onde Pablo passou, resta sempre um rastro de rumor de cantochões.

Pablo é rei em sua cidade.

Pablo é imperador nas margens do Guaíba.

Pablo é escravo e senhor dos porto-alegrenses.

A capital dos gaúchos nunca se orgulhou tanto de alguém, nem de Bento Gonçalves, nem de Getúlio Vargas, como se orgulha de Pablo.

E Pablo quase não acredita no que será que fez para cativar tanto os gaúchos.

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