terça-feira, 20 de outubro de 2009



20 de outubro de 2009 | N° 16130
MOACYR SCLIAR


A ânsia do inusitado

Pergunta: que setor da moda brasileira está em alta? Os trabalhos dos grandes costureiros, aqueles que aparecem nas passarelas, usados por modelos estilo Gisele Bündchen?

Não. O que mais chama a atenção do público é a roupa íntima masculina, e não necessariamente a de grife. Primeiro foram as cuecas, que revelaram uma surpreendente capacidade de portar dólares. Agora, é a sunga que o senador Eduardo Suplicy vestiu sobre o terno, num programa de televisão, coisa que causou uma verdadeira comoção.

Um psicanalista talvez interpretasse esta tendência como um desejo de expor as intimidades do Brasil, o que não seria de estranhar num país em que a dissimulação e o segredo durante muito tempo foram característicos da vida pública. Mas, no caso do senador Suplicy, obviamente não é isso. Trata-se de uma coisa inusitada, perturbadora, até, que obrigou o próprio senador a mudar sua posição.

O senador Suplicy, a quem conheço e com quem conversei várias vezes, é um belo ser humano, um homem público gentil, generoso. Acho, aliás, que essa gentileza em parte explica sua concordância diante da proposta que lhe foi feita. Suplicy não é avesso a uma brincadeira; peçam-lhe para cantar Blowing in the Wind (Soprando no Vento), do Bob Dylan, e ele de imediato pegará o microfone.

Cantando, ele não chega a impressionar; mas a gente gosta: o entusiasmo dele é contagiante. Agora: o senador Suplicy também é autor de um projeto de lei que data de 1991 e que garante uma renda mínima para os cidadãos brasileiros mais carentes. Quantas pessoas sabem desse projeto? Nem um milésimo daquelas que comentam o episódio da sunga.

Faz parte da televisão mostrar o insólito, o curioso, o inusitado. Mas, convenhamos, é preciso um equilíbrio aí, entre o sério e o cômico, entre aquilo que chama a atenção e aquilo que realmente conta para a população como um todo.

Programas em que as pessoas se expõem, em que revelam seus problemas íntimos, são cada vez mais comuns. Alguém dirá: mas se queremos transparência, não podem fugir disso. Verdade.

Mas não se trata de transparência pela transparência, de revelação pela revelação. Trata-se de interpretar, de refletir sobre aquilo que estamos vendo, de discutir a influência dessas coisas em nossas vidas.

Sunga sobre a roupa tudo bem, alguém pode ver nisso até uma manifestação artística, um equivalente a essas instalações que se tornam cada vez mais comuns. Mas a realidade não é feita só de coisas pitorescas. Há problemas a serem resolvidos, há inquietações, há dúvidas. Para as quais a resposta está soprando no ar. É só ouvi-la.

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